O Casamento no Islã: Considerado de um Ponto de Vista Legal



 

Do ponto de vista legal o Islã  vê o casamento como um ‘aqd’ ou um contrato.
Como qualquer outro contrato, o contrato de casamento requer total e livre consentimento das partes envolvidas.  Os pais ou guardiões de qualquer das partes podem aconselhar, escolher um cônjuge ou usar persuasão, mas a decisão final deve ser resultado da livre escolha de cada cônjuge, mesmo que esta livre escolha consista de nada mais do que aceitar a escolha dos pais ou guardiões.
Este direito de escolha é razoavelmente bem reconhecido no caso dos homens mas (infelizmente) não no caso das mulheres.

No Sagrado Alcorão nós lemos: " não herde as mulheres contra a sua vontade " (4:19) e nos Hadiths nós encontramos tradições como as seguintes: 

" Khansa bint Khidhan que teve uma união precedente, contou que quando seu pai a casou e ela desaprovou o ato, ela foi ao mensageiro de Deus e ele revogou sua união." (Bukhari, Ibn Majah) 

"A [ menina que nunca foi casada ] veio ao mensageiro de Deus e mencionou que seu pai a tinha casado contra a vontade dela, e o profeta permitiu que ela exercesse sua escolha." (Abu Da'ud, na autoridade de Ibn ' Abbas).

Assim como todo adulto pode entrar em qualquer contrato legal, da mesma forma todo homem ou mulher adulto pode arranjar sua própria união, contanto que durante o processo não haja nenhum contato sexual, ou seja, não existe namoro no estilo norte-americano.


Sabe-se bem que Khadijah, a primeira esposa do profeta, arranjou sua própria união com o profeta. É verdade que isto aconteceu antes que sayyadna Muhammad recebesse a profecia.  Mas se um arranjo por uma mulher de sua própria união fosse assim tão vergonhoso aos olhos de Allah como é aos olhos de alguns muçulmanos,  Ele teria impedido de algum modo seu mensageiro de tal união.
Além disso, existem alguns ahadith que mostram que mesmo após ter recebido a profecia  sayyadna Muhammad não desaprovou que as mulheres arranjassem sua própria união.

Nós citamos aqui um hadith: "Uma mulher veio ao mensageiro de Deus e ofereceu-se a ele (em casamento). Quando ficou por muito tempo (sem receber uma resposta) um homem levantou e disse: Mensageiro de Deus!  Case-me com ela se não a quiser.  Ele perguntou ao homem se ele tinha qualquer coisa a dar como dote (presente de casamento), e quando ele respondeu que não tinha nada além da roupa que estava usando, o profeta disse: Procure algo, mesmo que seja uma aliança de ferro.
A seguir quando o homem tinha procurado e não tinha encontrado nada, o mensageiro de Deus perguntou-lhe se ele conhecia qualquer coisa do Alcorão. Quando o homem respondeu que conhecia a Surata assim e assim e a Surata assim e assim, o mensageiro de Deus disse: Eu a dou em casamento.
Ensine a ela algo do Alcorão."
(Bukhari e Muslim na autoridade de Sahl bin Sa’d).

Neste hadith uma mulher está arranjando sua própria união mas o profeta não a repreendeu ou advertiu de nenhuma forma. Embora possa não ser a melhor coisa para uma mulher fazer, ela pode se desejar, fazer uma proposta de casamento sem ser censurável aos olhos de Deus.

Quais são os termos envolvidos no contrato de casamento?

Este contrato envolve duas coisas: primeiramente, um presente do marido à esposa, que pode ser uma soma em dinheiro, um objeto de algum valor tal como um anel, ou coisas não-materiais como a aceitação do Islã ou ensinar uma parte do Alcorão (1).
Segundo, um compromisso de ambas as partes de tentar fazer a vida fisicamente confortável e fornecer felicidade emocional, psicológica e espiritual para o outro, com a responsabilidade de cuidar das necessidades econômicas que recaem geralmente nos ombros do homem.(2).

No momento do casamento ambos os cônjuges devem ter a maior intenção possível de manter o compromisso de casamento pelo resto da vida, embora sob algumas circunstâncias extremas possa talvez ser possível participar em um contrato de casamento em bases temporárias.(3) Mesmo que o compromisso de casamento se realize para toda a vida, se acontecer que depois da união os dois cônjuges descobrirem ser impossível viverem juntos, a lei islâmica providencia meios para o término do contrato de casamento.


O término do contrato de casamento pode ser iniciado por qualquer das  partes que decidir que a outra parte não pode ou não cumprirá satisfatoriamente o compromisso implícito no contrato de casamento, a saber, fornecer suficiente felicidade física, emocional, psicológica e espiritual.
É evidente que o julgamento a respeito se um cônjuge está tendo satisfação suficiente em sua união é subjetivo e pertence conseqüentemente inteiramente ao cônjuge. Conseqüentemente, a dissolução do casamento no Islã não requer que um cônjuge prove à alguma autoridade tal como uma corte, que houve uma falha da parte do outro cônjuge no cumprimento de suas obrigações conjugais. É bastante que o cônjuge insatisfeito diga que ele ou ela não sentem mais amor ou respeito pelo outro cônjuge para ser capaz de continuar vivendo com ele ou ela.
Terceiras partes tais como parentes, a comunidade, etc. devem certamente (4:35) ser envolvidos em algum estágio das dificuldades da união e tentar impedir o rompimento dela, através de conselhos, etc.; mas não podem obrigar nenhum cônjuge a permanecer na união, como por exemplo é o caso da igreja católica ou da tradição hindu, que obriga os casais a permanecer atados na união até que um dos cônjuges morra.


Um homem pode dissolver a união depois de um procedimento prescrito, sendo que os detalhes não nos concernem aqui.  Uma mulher pode dissolver a união pedindo ao marido para divorciá-la e se ele recusar, ela  pode recorrer à corte que deve arranjar os termos de dissolução com relação à  compensação e requisitar ao marido a dissolução do casamento. (4) Para evitar este procedimento a mulher pode incluir no contrato de casamento a condição de que ela pode dissolver a união sem ter que recorrer à corte.


A parte que inicia o divórcio pode ter que pagar alguma compensação à outra parte. Esta compensação pode ser o retorno do presente de casamento no caso da  mulher iniciar o divórcio(5) e pagamento de pensão no caso do homem tomar a iniciativa.(6) Outra vez, os detalhes desta matéria está fora do contexto deste artigo.


O grau através do qual o marido tem um direito maior. Na descrição acima do ponto-de-vista legal do casamento no Islã, o homem e a mulher são parceiros completamente iguais a não ser nos seguintes aspectos:

1)      Ambas as partes tem responsabilidade igual de prover a felicidade física, emocional, psicológica e espiritual à outra, mas os homens têm geralmente a responsabilidade adicionada de prover as necessidades econômicas da esposa.

2)      No caso em que o marido inicia o divórcio, ele está obrigado pela lei religiosa a pagar algumas despesas de manutenção (2:241). Esta pensão pertence à esposa por direito. Entretanto, quando a mulher inicia o divórcio ela não paga nenhuma compensação ao marido como exigência da lei religiosa; necessita na maior parte dos casos retornar o que recebeu do marido como dote, se tal devolução for útil no estabelecimento de um acordo amigável. (2:229)

3)     Um homem pode divorciar sua esposa enquanto uma mulher necessita seguir procedimentos através da corte ou introduzir no contrato de casamento uma cláusula que dê a ela o direito de se divorciar de seu marido.

Com respeito às diferenças acima o Alcorão diz: " E (as esposas) terão direitos similares àqueles (que os maridos têm) sobre elas, de acordo com a justiça, (exceto que) os direitos dos maridos são um grau maior." (2:228)  "Maridos são guardiões (qawwamun) das esposas porque Deus favoreceu alguns mais do que outros e porque (isto é, os maridos geralmente) despendem de seus bens." (4:34)

A primeira das duas afirmações corânicas acima ocorre em uma passagem longa que lida com o divórcio e deve ser compreendida dentro desse contexto. O grau em que os direitos do marido são maiores deve conseqüentemente ser compreendido como o grau em que o marido é mais livre do que a esposa para terminar a união. Este, entretanto, não é um grau muito maior uma vez que como indicado anteriormente, a esposa pode sair da da união sempre que quiser, praticamente sem dar nenhuma razão. Significa apenas que tem que seguir um procedimento mais indireto. A segunda afirmação corânica se refere à maior responsabilidade que os maridos tem geralmente como protetores e provedores das mulheres e ao maior poder de decisão que isto os garante.


O fato de que os direitos do marido são um grau maior não afeta a reivindicação de que no Islã homem e mulher têm direitos iguais, uma vez que os direitos maiores que o homem tem dentro do casamento não implicam que o homem também goze de maiores direitos fora deste relacionamento, e uma vez que os direitos maiores do homem dentro do casamento são totalmente justificados por sua maior responsabilidade.
Nós devemos recordar aqui que sempre que falamos sobre membros de uma sociedade que tem direitos iguais, não é nunca excluída a possibilidade de que os membros dessa sociedade possam livremente participar em acordos em que alguns assumem maior responsabilidade e conseqüentemente têm também direitos maiores.
A igualdade de direitos só pode ser afirmada na suposição de igualdade de responsabilidades. Este princípio trabalha às vezes a favor das mulheres.
Por exemplo, como mães as mulheres dão muito mais às crianças do que os homens enquanto pais, e assim o Islã reconhece direitos maiores das mães sobre as crianças do que os dos pais a não ser que onde as considerações econômicas exigem de outra forma.


 

Notas:

(1)        (1) Veja o hadith citado anteriormente no qual o dote do casamento consiste no marido ensinar uma parcela do Alcorão Sagrado à esposa. No hadith seguinte consiste do marido aceitar o Islã:  "Umm Sulaym tinha se tornado muçulmana antes de Abu Talha e quando ele a pediu em casamento ela disse:  "Eu me tornei muçulmana...

(2)  Veja Alcorão 4:34. A esposa pode, entretanto, de livre e espontânea vontade compartilhar de parte da responsabilidade econômica. Khadijah ajudou ao profeta e Asma, filha de Abu Bakr, ajudou seu marido pobre, Zubayr.

            (3)  Esta é a opinião dos xiitas. As tradições sunitas admitem que a união provisória foi por algum tempo permitida  no Islã, mas dizem que foi posteriormente proibida. (**)
 

(4)  Veja Alcorão 2:229 à luz do seguinte hadith: " A esposa de Thabit bin Qays veio ao profeta e disse, " Mensageiro de Deus, eu não repreendo Thabit bin Qays com respeito ao caráter ou religião mas eu não quero ser culpada de descrença com relação ao Islã (significando que ela não gostava dele o bastante como marido e assim estava receosa de não poder dar a ele respeito e amor devido a um marido)." O mensageiro de Deus perguntou-lhe se ela devolveria a Thabit seu jardim, e quando ela respondeu que sim , o profeta disse a ele para aceitar o jardim e declarar o divórcio." (Bukhari, Nasa'i, Tirmidhi, Ibn Majah e Bayhaqi, na autoridade de Ibn Abbas)

(5) Veja o hadith citado na nota precedente. A esposa não é obrigada pela lei religiosa a pagar a compensação e tem que fazê-lo somente como parte de um acordo com o marido. (Alcorão 2:229)

(6) “Para as mulheres divorciadas uma manutenção razoável (deve ser fornecida). Este é um dever dos virtuosos." (Alcorão 2:241)

Texto: Dr. Ahmad Shafaat.  Publicado primeiramente no Al-Ummah, Montreal, Canadá em 1984. Retirado do site islâmico ‘Islam – The Modern Religion’.

 

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