O Mi´raj Através das Orações

 

 

Vista da Cidade Velha de Jerusalém

 

 

Em Nome de Allah, O Clemente, O Misericordioso!

 

Os muçulmanos relembram o Mi´raj, a visão espiritual que o Profeta Muhammad (s.a.a.s) teve da Mesquita de Jerusalém (Masjid-ul-Acsa, “a mesquita mais distante”), erguida próxima ao Domo da Rocha, também conhecido como a Mesquita de Omar. O evento tem um significado triplo para os muçulmanos: histórico, sagrado e místico.

 

O fato histórico está situado em 620 do calendário cristão. Haviam 10 anos que o Profeta Muhammad (s.a.a.s) recebera a revelação dos primeiros versículos do Alcorão e há cerca de oito pregava em público a devoção a Allah, o Deus Único. Kadhija, sua esposa e a primeira lhe apoiar, morrera no ano anterior. O Profeta (s.a.a.s) contava apenas com alguns poucos seguidores, estava isolado dentro da própria tribo (os coraixitas), sem nenhum protetor humano desde a morte do seu tio Abu Talib e no limite das suas forças. A permanência em Meca se tornará insustentável. A confiança na proteção divina não significa descuidar de si mesmo (está escrito, Allah não muda o destino de um povo, até que o povo mude o que tem na alma – Alcorão 13:02) e a única saída possível para evitar a agressão física era uma aliança com um outro clã e a transferência para outra cidade.

 

Sem obter sucesso para esse plano, uma noite o Profeta (s.a.a.s) rezou na Caaba e depois adormeceu, próximo ao santuário. Sentiu, então, ser acordado pelo arcanjo Gabriel, e colocado na garupa de um cavalo celeste. “A Viagem Noturna” (al-isrá) terminou em Jerusalém, no Monte do Templo. Subindo por uma escada (miraj), ele viu os sete céus – o primeiro presidido por Adão; o segundo, por Jesus e João Batista; o terceiro, por José; o quarto, por Enoc; o quinto por Aarão; o sexto, por Moisés e, o sétimo, por Abraão – que antecedem o Trono de Allah. Naquele mesmo ano, ele converteu seis peregrinos que tinham vindo a Meca de um oásis fértil, habitado por árabes e judeus no meio do deserto. Dois anos depois, seria feita a Hégira, a migração de Meca para Medina, e iniciada a contagem da era do Islã.

 

A dimensão sagrada da al-isrá está contida na mensagem recebida pelo Profeta (s.a.a.s) durante sua estadia na esfera divina: a salat ou a obrigação da prece, cinco vezes ao dia. A importância da oração canônica, como um dos cinco pilares do Islã, pode ser medida pelo fato de que ela é a única recomendação transmitida diretamente por Allah, sem a intermediação do arcanjo Gabriel, como ocorreu para o texto do Alcorão. No Livro do Islã, a oração é citada 117 vezes como um dom concedido aos homens para a sua ascensão espiritual. “Sou Allah. Não há divindade além de Mim! Adora-me, pois, e observa a oração, para celebrar o Meu nome (20:14). É certo que prosperarão os crentes, que são humildes em suas orações (23:1-2)...” A essência desta mensagem é a mesma das admoestações feitas a Moisés, no Monte Sinai, e da última recomendação de Jesus, no Monte das Oliveiras.

 

Toda a Criação, por sua própria natureza, está submetida e louva ao Senhor, mas só ao homem foi concedida uma parcela de livre-arbítrio. Essa possibilidade de escolha é o que nos aproxima da “imagem de Allah”, nos torna os únicos, entre todas as coisas criadas, “capacitados e livres para rezar”. A escolha que fazemos determina a grandeza ou a tragédia da nossa condição. Escolher rezar não é a opção mais fácil. Ao contrário! A oração - como expressão da nossa livre escolha – não tem relações com a passividade diante da realidade ou da fé. Exige e estabelece compromissos. Orar pressupõe, sobretudo, agir nos caminhos de Allah. Orar e agir é a única via que nos permiti ascender espiritualmente.

 

“A virtude não consiste só em que orienteis vossos rostos até o levante ou ao ponte. A verdadeira virtude é a de quem crê em Allah, no Dia do Juízo Final, nos anjos, no Livro e nos profetas; de quem distribui seus bens em caridade, apesar de gostar deles, entre parentes, órfãos, necessitados, viajantes, mendigos e em resgate de cativos. Aqueles que observam a oração, pagam o zakat, cumprem os compromissos contraídos, são pacientes na miséria e na adversidade, ou durante os combates, esses são os verazes e tementes a Allah” 

(Alcorão 2:177).

 

Alguns exegetas islâmicos vêem al-isrá ual miraj como a ascensão corpórea de Muhammad (s.a.a.s) aos céus. Mas, o fato da viagem não estar descrita no Alcorão (há apenas duas referências, nas suratas 17:1 e 53: 1–18) corrobora a tradição (hadith) deixada por Aisha – uma das esposas do profeta – que trata a viagem noturna como uma experiência mística e pessoal. Uma experiência fundamental para o desenvolvimento da espiritualidade islâmica. Dentro das correntes sufistas, ela inspirou os relatos contidos no Diálogo dos Pássaros, de Farid ud-Din Attar (poeta persa do século XIII), chegando a influenciar as tradições ocidentais. É no relato do Mi´raj que Dante encontra a matriz necessária para elaborar sua viagem imaginária ao inferno, ao purgatório e ao paraíso na Divina Comédia.

 

Texto: Carlos Peixoto,  muçulmano, jornalista do jornal Tribuna do Norte, de Natal.

 

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