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Em Nome de Deus e do Lucro
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A frase “Em
Nome de Deus e do Lucro”, atribuída a um mercador medieval serviria
para definir as bases da expansão marítima portuguesa, apesar de
terem havido motivações estratégicas e políticas.
Entretanto, ao nos concentrarmos no aspecto religioso e econômico temos
como objetivo explicitar os interesses destes dois segmentos nesta empreitada.
O Papado neste
momento estava empenhado em difundir seus conceitos de expansão da Fé
Cristã combatendo os inimigos da Fé. Entre estes inimigos figuravam
muçulmanos, pagãos e outros classificados como descrentes a quem
o Papado tentava submeter através de conversões e cruzadas
evangelizadoras. Mas as freqüentes disputas com a Realeza Absolutista em relação
as terras do clero colocam em dúvida as verdadeiras motivações do
Papado. Com
relação a Portugal, segue uma linha expansionista e comercial
pretendendo satisfazer interesses reais e burgueses. A união destas duas
forças pode ser claramente detectada no estudo do conteúdo das três
bulas papais promulgadas no século XV, que atendem a pedidos preliminares
feitos pela Coroa portuguesa.
A primeira
bula, DUM DIVERSAS, datada de 1452, autorizava
o rei a “... atacar, conquistar e submeter sarracenos, pagãos e outros
descrentes e inimigos de Cristo; capturar
seus bens e territórios, reduzi-los a escravatura perpétua e transferir
suas terras para o Rei de Portugal...”
A segunda bula,
ROMANUS PONTIFEX, datada de 1455, além de exaltar a figura do Infante D.
Henrique definindo-o como “Soldado
de Cristo e Defensor da Fé”, cria o monopólio português nas regiões
conquistadas, proibindo outras nações de interferir no mesmo.
E finalmente a
terceira bula, INTER CAETERA, de 1456, não só ratifica a anterior
como delega poderes a Ordem de Cristo, cujo administrador era o Infante D.
Henrique, de nomear delegados eclesiásticos, impor censuras e outras
penas.
Segundo Boxer,
as bulas não visavam apenas o Marrocos sarraceno
mas à uma expansão bem mais ampla, como o domínio da Costa
Africana, após a passagem do Bojador e a ocupação das Ilhas Oceânicas.
Os interesses
econômicos e religiosos nesta região estavam de tal forma interligados
que dificultam a sua dissociação, levando a considerá-los como
fatores impulsionadores um do outro.
Boxer atribui a
uma motivação primordialmente religiosa a persistência de D. Henrique
em submeter a região marroquina, uma vez que o Infante alegava serem
estas empreitadas extremamente dispendiosas fazendo com que
na sua fase inicial, a expansão portuguesa fôsse
deficitária. Ao voltar-se para o Atlântico, Portugal estabeleceu
um comércio altamente promissor e lucrativo e a partir de 1442, com o
desenvolvimento do comércio de escravos, suas viagens passaram a ser
financiadas pelo menos em parte, por esta atividade.
Portugal constrói
inúmeras feitorias na costa africana estabelecendo um intenso comércio não
só de ouro e escravos como também de sal, marfim, pimenta e animais,
trocados por cavalos, tecidos, objetos de cobre e trigo. Com o domínio da
costa africana vislumbrou-se a passagem do cabo da Boa Esperança,
empreendimento que permitiu aos portugueses o acesso as especiarias asiáticas.
A similaridade
das intenções de D. João II, desviar o comércio das especiarias
asiáticas da rota veneziana para a via marítima da costa africana
tal como desviou o ouro da rota transaariana para as caravelas do Atlântico, é
ressaltada por Boxer. Esta intenção
entretanto não é claramente admitida pelo monarca que em seus informes
ao Papado, citava a possível chegada ao Reino Cristão do Oriente
cujo monarca seria o Preste João, misterioso rei-sacerdote que, segundo
acreditavam os portugueses, uma vez encontrado seria um poderoso aliado contra
os muçulmanos.
Ao chegar na
região o monarca passou a buscar a legitimação religiosa para sua
empreitada e autodenominou-se “Senhor da Guiné e da conquista, navegação
e comércio da Etiópia, Arábia, Pérsia e Índia”, e
pretendeu através de contatos entre “cristãos” já
estabelecidos na região quebrar a rota das especiarias exploradas por muçulmanos.
Ormuz e Málaca
eram os entrepostos de mercadorias que se destacavam nas duas extremidades do
Índico e como a forte presença muçulmana na região era pacífica
e familiar, Portugal logo entendeu que o único meio de quebrar esse monopólio
seria pela força. Desta forma empreendeu uma forte ofensiva nas duas primeiras
décadas do século XVI e passou a dominar as principais rotas comerciais do
Índico situadas entre Málaca, Ormuz e posteriormente, Goa.
A Igreja,
atenta aos acontecimentos, estabeleceu a partir do Concílio de Trento em
1536, que governantes e governados deveriam professar a mesma fé, desencadeando
perseguições a populações que conquistadas e não
convertidas, estabeleciam comércio com os portugueses. A Igreja demonstrou que
seus conceitos pacifistas e fraternais limitavam-se apenas a esfera dos
discursos.
A união
entre o Papado e a Realeza portuguesa estava comprometida no final do século XV
com a assinatura das bulas INTER CAETERA II e III por um papa de origem
espanhola. Estas bulas anulavam as
anteriores e delegava a Espanha os mesmos poderes dados a Portugal,
retirando-lhe a exclusividade. Portugal aderiu então a onda
Contra-Reformista que assolava a Europa e aproximou-se da Igreja, pondo fim a
uma indesejável querela com um poderoso adversário.
A Igreja Católica
e as ordens religiosas possuíam cerca de 1/3 das terras disponíveis
em solo português e as melhores da Índia portuguesa.
Seus padres fixavam-se numa região muito mais que os itinerantes
governantes portugueses, desenvolvendo uma respeitabilidade entre a população
da qual se beneficiavam os portugueses.
A realeza
portuguesa estava cada vez mais comprometida com a burguesia ascendente cedendo
aos seus interesses, pois era deste segmento que retirava os recursos para a sua
sustentação. Esta dependência pode explicar o desinteresse inicial pelo
Brasil recém-descoberto em favor de atrativos maiores como o comércio das
Índias e o ouro da Guiné.
Após um
período de estagnação inicial, alertado pela presença
estrangeira no solo brasileiro, Portugal reagiu e fundou o Governo Geral na
Bahia em 1549. Sem contar entretanto com os recursos que possibilitariam a
implantação da cultura canavieira, Portugal sucumbe ao poderio do
capital holandês, financiador e maior beneficiário desta promissora
cultura dos primeiros tempos de colonização, restando a metrópole
o ainda rentável comércio escravagista. Podemos concluir que o fôlego do expansionismo português e sua habilidade diplomática não contaram com igual desempenho por parte de um aparato estatal diminuto e fragilizado. Uma nobreza insípida e uma burguesia frágil não conseguiram acompanhar o alto desenvolvimento na arte de navegar, empreendido a partir de Sagres, e manter suas conquistas em tão longínquos e diversificados domínios. Texto de Arildo Benacchi Bittencourt, bacharel em História pela Universidade do Estado do Rio de Janeiro (UERJ). Arildo B. Bittencourt não é muçulmano.
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