Na Terra dos Midiotas


 

 

Olivieri Toscani - o fotógrafo e publicitário genial que responde pelas polêmicas campanhas publicitárias da Benetton - diz, em seu livro “A publicidade é um cadáver que nos sorri”, temer o crescente poder da mídia sobre a mentalidade das pessoas. Ele afirma que chega a se arrepiar quando alguém diz “É verdade, deu na televisão”.

Compartilho do temor de Toscani. Não consigo deixar de pensar no “Brave New World” de Huxley quando vejo a crescente capacidade da TV em moldar modas, hábitos, mentalidades, enfim de criar um mundo virtual que as pessoas tomam como real. É a segunda geração do condicionamento descrito pelo autor inglês, com agravantes.

O mundo real passa a figurar em segundo plano frente ao que passa na TV, agir fora dos estereótipos descritos é ser um “intocável”. A TV passa a definir quais fatos nós devemos considerar importantes, quais modelos devemos seguir, quais gírias devemos falar e até mesmo quais rebeldias são toleráveis e quais ultrapassam os limites da sociabilidade.  Se o efeito sobre jovens e adultos desta lavagem cerebral já é temerária, ainda mais grave é o risco sob as gerações mais novas, cada mais submetidas a um crescente tecnologia de dominação psicológica e menos amparada por pais a cada geração mais relapsos.

Os opositores à tese de uma crescente dominação da TV sobre as mentes dizem que ninguém vai sair por aí matando pessoas só porque viu um destes filmes violentos. É uma raciocínio superficial, o problema não é a programação violenta ou pornográfica, é muito mais profundo.  Hitler e Stalin deliravam ao pensar no poder de doutrinação disfarçada de lazer do cinema. Tivessem conhecido a TV e todos os seus recursos de ludibriação moderna e provavelmente ainda estariam circulando por aí.  O grande problema de fundo desta questão toda é apontada claramente por Toscani no livro citado, não se trata simplesmente de colocar no ar cenas desabonadoras, trata-se de impor ao mundo um padrão de vida e comportamento.

Criou-se uma moral na qual as regras são definidas por quem controla a mídia, criou-se uma concepção de mundo que toma o real por virtual.  Aos poucos o mundo real é substituído por aquele que se vê na telinha.

É preciso assistir ao telejornal para saber o que está acontecendo, ao invés de olhar em volta. É preciso assistir o telejornal para saber qual é a nossa opinião sobre os assuntos que eles determinam que é importante.  Há um aspecto no qual este abominável mundo novo é mais perverso que o de Huxley, ele é total, integral. Não há uma elite intelectual visível que possa um dia libertar o mundo, o operário e seu patrão assistem ao mesmo jornal, a patroa e sua empregada assistem às mesmas novelas, o jovem da favela curte o mesmo som do playboy, não há alfas, apenas deltas e gamas.

A diferença entre eles, portanto, é apenas material. O desaparecimento da elite intelectual ou cultural se encaixa com perfeição no projeto de recriar um mundo no qual não existe reflexão e a legitimidade só pode ser extraída do poder da força ou do dinheiro.

O historiador de arte francês, Roger Garaudy, disse que os intelectuais são ótimos para dar os fundamentos das revoluções, mas péssimos para exercer o poder. A constatação é absolutamente verdadeira, já que o envolvimento dos intelectuais com o poder sempre resulta num aviltamento do intelectual e nunca de um engrandecimento do poder.

Contudo só aos que foram dotados com o dom de enxergar as coisas onde os outros não veem nada é possível conceber um futuro diferente daquele que está fadado a acontecer mantendo-se as condições existentes. Sem eles não se constrói um novo projeto de sociedade, sem este projeto não surge um líder capaz de motivar o povo a acreditar nesta proposta, sem que o povo acredite ele não luta.

 

Texto de Alexandre Gomes (Hilal Iskandar), jornalista, convertido ao Islã em janeiro de 1995.

 

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