Os Muitos Sentidos do Ramadã
"O jejum [do
Ramadã] é a interrupção voluntária do ritmo vital, a afirmação da
liberdade do homem em relação a seu 'eu' e a seus desejos, e ao mesmo tempo a
lembrança da presença dentro de nós daquele que tem fome, como de um outro eu
para o qual tenho de contribuir a fim de retirá-lo da miséria e da
morte." (Roger Garaudy, Apelo aos Vivos)
Em geral todas as
prescrições do Islã não visam um único ou alguns poucos aspectos, mas
interpenetram os muitos sentidos da existência humana. A divisão das coisas em
compartimentos - isto aqui é espiritual, isto é religioso, isto é filosófico,
isto é social e assim por diante - é uma forma humana de ver as coisas, efeito
de nossa capacidade limitada de compreender o mundo.
Um ótimo exemplo de
como o Islã - não obrigatoriamente os muçulmanos - enxerga o mundo é o
Ramadã. Cumprir o jejum é muito mais do que simplesmente seguir determinadas
regras religiosas, algumas podem ser entendidas, outras talvez não porque seus
significados podem ser infinitos.
Um destes aspectos diz
respeito à principal luta do ser humano em geral e do muçulmano em particular,
que não é a luta contra os "infiéis" ou os inimigos, mas a luta
contra si mesmo, contra seu ego, contra suas fragilidades, a Grande Jihad a qual
se referia o profeta (A paz e as bênçãos de Deus estejam com ele). Como
observa Garaudy, o jejum do Ramadã é sobretudo uma vitória do homem sobre si
mesmo, sobre seus apetites e desejos. Sócrates recomendava a mesma moderação
e controle aos seus discípulos porque sabia que um dos pilares da verdadeira
felicidade estava em não ser presa dos próprios desejos.
A outra dimensão do
Ramadã levantada por Garaudy é a social. Como entender a miséria e a fome
senão através de sentir a fome em seu próprio corpo? Talvez pareça uma
solidariedade inútil, como a de um sábio que certa vez deitou ao relento
porque, não tendo nada mais a dar aos desabrigados, resolveu compartilhar com
eles o sofrimento, mas não é. Através do jejum voluntário é possível
compreender o sofrimento daqueles que jejuam compulsoriamente, e em um momento
de tanto sofrimento como este é uma compreensão que é necessária, sem
nenhuma dúvida.
Texto
de Alexandre Gomes (Hilal Iskandar), jornalista, convertido ao
Islã em
janeiro de 1995.