Experimentando Intimidade com Allah

 

'E quando nós oramos e colocamos nosso nariz no chão, sentimos alegria, um alívio, uma força, que é fora deste mundo e que palavras não podem descrever. Você tem que experimentar para saber.'

 Ghassan Zarrah, antigo imam da mesquita da Universidade de São Francisco

 

Hayya 'alas salaah! Hayya 'alas salaah! (Corra para a oração!)  

Hayya 'alal falaah! Hayya 'alal falaah!   (Corra para a oração!)  

 

No dia que eu me converti ao Islã, o imam da mesquita me deu um manual sobre como realizar o salah, a oração ritual islâmica.

 

‘Vá com calma,’ os estudantes muçulmanos me recomendavam, ‘não exija muito de si mesmo!’ ‘É melhor ir aos poucos.’ ‘Você sabe, devagar, devagar.’

Estava surpreso com a preocupação deles.

"Quão difícil seria orar?", pensei.

 

Aquela noite, ignorando seus conselhos, decidi começar a realizar as cinco orações em seus horários determinados. Sentei por um longo tempo no sofá da minha pequena e diminuta sala de estar, estudando e recitando as posturas da oração, os versículos do Qur’an que eu precisava recitar, e as súplicas que poderia fazer. Muito do que deveria dizer estava em árabe, e tinha que memorizar as transliterações árabes e as interpretações em inglês que o manual fornecia. Estudei atentamente o manual por algumas horas, antes de me sentir confiante o suficiente para tentar minha primeira oração. Era próximo da meia-noite, e decidi realizar a oração de isha.

 

Caminhei até o banheiro e coloquei o manual na tampa do vaso, aberto na seção descrevendo como realizar o wudu (ablução ritual). Como um cozinheiro tentando uma receita pela primeira vez, segui passo a passo as instruções, vagarosa e meticulosamente. Quando terminei a lavagem, fechei a torneira e retornei à sala de estar com água pingando de várias partes do meu corpo, uma vez que as instruções afirmavam que era preferível não se secar com uma toalha após a ablução. 

 

De pé no centro da sala, me coloquei na direção que esperava que estivesse Meca. Olhei de relance sobre os meus ombros para me certificar que tinha fechado a porta do meu apartamento. Certo de que a porta estava fechada, então me coloquei ereto, olhei em frente, respirei profundamente, elevei minhas mãos à altura do meu rosto com as palmas abertas e tocando as minhas orelhas, e então, em voz baixa pronunciei ‘Allahu Akbar’ (Allah é Maior)

 

Esperava que ninguém tivesse me ouvido. Eu me senti um pouco ansioso, e não conseguia me livrar do sentimento de que alguém poderia estar me espionando. Então, repentinamente me dei conta de que tinha deixado as cortinas da sala de estar abertas. E se um vizinho me visse? Pensei.

 

Parei o que estava fazendo e fui para a janela. Olhei em volta para ter certeza de que não havia ninguém lá. Para meu alívio, o jardim estava vazio. Então fechei cuidadosamente as cortinas, e retornei ao meio da sala.

 

Mais uma vez me coloquei na direção de Meca, fiquei de pé, elevei minhas mãos tocando minhas orelhas, e sussurrei, ‘Allahu Akbar’.

 

Em um tom inaudível, vagarosamente e com dificuldade recitei o primeiro capítulo do Qur’an, e um outro pequeno capítulo em árabe, embora duvide que minha pronúncia naquela noite teria sido inteligível para um árabe. Então calmamente disse um outro ‘Allahu Akbar’, e me curvei com minhas costas perpendiculares às minhas pernas e minhas mãos tocando meus joelhos. Nunca tinha me curvado para ninguém antes, e me senti embaraçado. Estava feliz em estar sozinho. Enquanto nesta posição repeti várias vezes a frase ‘Subhana rabbi-l ‘Azeem’, que significa, Glória ao meu Senhor, o Grande.

 

Então me levantei e recitei ‘sami’a Allahu liman hamidah’ (Deus ouve aqueles que O louvam), e então, ‘Rabana wa laka-l hamd’ (Nosso Senhor, a Ti pertencem todos os louvores).

 

Senti meu coração batendo e a ansiedade aumentando enquanto humildemente falava outro ‘Allahu Akbar’ (Allah é Maior). Tinha chegado ao momento em que tinha que executar a sajdah, a prostração. Petrificado, olhei para a área do chão na minha frente, onde supostamente deveria me abaixar e colocar meu rosto.

 

Não podia fazer isto! Não podia me rebaixar até o chão, me humilhar com meu nariz no chão, como um servo se humilhando perante seu amo. Era como se minhas pernas tivessem travas que não me deixariam curvar. Eu me senti tão envergonhado e humilhado. Podia imaginar os risos sarcásticos dos amigos e conhecidos, vendo eu me fazer de tolo. Imaginava quão ridículo e digno de pena estaria parecendo. ‘Pobre Jeff’, podia ouvi-los dizer, ‘realmente se tornou um árabe maluco em São Francisco, não?!’

Por favor! Por favor me ajude a fazer isto! Orei.

Respirei fundo e me forcei ao chão. Agora sobre minhas mãos e joelhos, hesitei por um breve momento, e então empurrei minha face sobre o tapete. Livrando minha mente de todos os outros pensamentos, mecanicamente pronunciei três vezes, ‘subhana rabbi-l a’la (Glória ao meu Senhor, o Altíssimo!)

 

‘Allahu Akbar’, disse e me sentei sobre os meus joelhos. Mantive minha mente vazia, recusando-me a permitir quaisquer distrações. ‘Allahu Akbar’, pronunciei, e coloquei meu rosto novamente no tapete.

 

Com meu nariz tocando o chão disse mecanicamente, ‘subhana rabbi-l a’la, subhana rabbi-l a’la’. Estava determinado a terminar a oração, de qualquer modo.

 

‘Allahu Akbar’, disse, e me levantei. Mais três ciclos, eu disse a mim mesmo.

 

Tive que lutar com minhas emoções e orgulho o resto da oração, mas ela ficava mais fácil a cada ciclo. Estava até mais calmo durante a última prostração. Enquanto estava na posição final, recitei o tashahhud e então terminei a oração dizendo, 'Assalamu 'alaikum wa rahmatullah' (que a paz e a misericórdia de Allah estejam sobre vós) com minha cabeça voltada para a direita e novamente, 'Assalamu 'alaikum wa rahmatullah' com minha cabeça voltada para a esquerda.

 

Exausto, permaneci no chão e revi a batalha pela qual tinha acabado de passar. Eu me senti envergonhado pelo fato de ter lutado tanto ao longo da oração. Com minha cabeça baixa de vergonha orei: por favor perdoe minha arrogância e estupidez. Demorei muito para chegar até aqui, e ainda tenho um longo caminho pela frente.

 

Naquele momento, experimentei algo que nunca tinha sentido antes e que é portanto difícil para mim colocar em palavras. Uma onda do que só posso descrever como frescor passou através de mim, e que parecia radiar de algum ponto dentro do meu peito. Era muito intenso e inicialmente me assustei; me lembro de ter tremido.

 

Entretanto, era muito mais que uma sensação física, porque afetou minhas emoções de uma forma estranha. Foi como se uma misericórdia tivesse tomado forma objetiva, e estivesse naquele momento me penetrando e envolvendo. Não sei explicar como exatamente, mas comecei a chorar. Lágrimas começaram a rolar em minha face, e me vi chorando incontrolavelmente. Mais eu chorava, mais eu me sentia abraçado por um poderoso carinho e compaixão.

 

Não estava chorando de culpa – embora provavelmente devesse tê-la – vergonha ou alegria, era como se uma represa tivesse sido aberta e um grande reservatório de medo e raiva dentro de mim tivesse sido liberado. Enquanto escrevo estas palavras, não posso deixar de pensar se o perdão de Deus não envolve muito mais do que Sua absolvição de nossos pecados, mas se Seu perdão não é também curativo e confortante?   

 

Permaneci de joelhos, curvado em direção ao chão com minha cabeça em minhas mãos, chorando e balbuciando por algum tempo. Quando finalmente parei de chorar, estava completamente exausto. A experiência que tinha acabado de ter era muito estranha e irresistível para tentar racionalizá-la naquele momento, e pensei que era definitivamente muito estranha para contar a qualquer pessoa sobre ela (1). Percebi algo entretanto: precisava de Deus e oração desesperadamente.

 

Antes de me levantar, fiz minha última súplica:

'Ó Deus, se algum dia eu gravitar em direção à descrença novamente, por favor mate-me primeiro – tire-me desta vida. É difícil o suficiente viver com minhas imperfeições e fraquezas, mas eu não posso viver mais um dia negando a Ti.'

 


NOTA: (1) Nos meses que se seguiram, entretanto, tive várias, do que para mim eram intensas experiências espirituais durante o salah (oração), e gradativamente me dei conta através de conversas com outros muçulmanos, de que elas não eram anormais ou incomuns.


 

Texto: Trecho do livro 'Even Angels Ask' do Dr. Jeffrey Lang, professor assistente de matemática na Universidade de São Francisco, convertido ao Islã.

 

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