Por que Jerusalém foi Central para Muhammad?


 

Jerusalém foi central para a identidade espiritual dos muçulmanos desde o início de sua crença. Quando o profeta Muhammad começou a pregar em Meca por volta de 612, de acordo com as biografias mais antigas, que são nossa fonte primária de informação sobre ele, ele tinha seus convertidos se prostrando em oração na direção de Jerusalém.

Simbolicamente eles estavam se direcionando para o Deus judeu e cristão, a quem eles estavam determinados a adorar, e voltando suas costas ao paganismo da Arábia. Muhammad nunca acreditou que estivesse fundando uma nova religião, que cancelava as crenças anteriores. Ele estava convencido de que simplesmente trazia a antiga religião do Deus Único aos árabes, que nunca tinham recebido um profeta antes.

Consequentemente, o Qur’an, a escritura inspirada que Muhammad trouxe aos árabes, venera os grandes profetas da tradição judaico-cristã. Ele fala do “grande lugar de oração” de Salomão em Jerusalém, que os muçulmanos inicialmente chamaram de Cidade do Templo. Somente após os judeus de Medina rejeitarem Muhammad ele mudou a orientação e instruiu seus adeptos a orar em direção à Meca, cujo antigo templo, a Caaba, era considerada pelos moradores do lugar como tendo sido construída por Abraão e seu filho Ismael, o pai dos árabes.

A centralidade de Jerusalém na espiritualidade muçulmana é aparente na estória mística da Viagem Noturna de Muhammad à Jerusalém. Os textos islâmicos deixam claro que não foi uma experiência física, mas visionária (não diferente das visões celestiais judaicas do Trono Místico na época). Uma noite Muhammad foi levado milagrosamente da Caaba ao Templo do Monte em Jerusalém. Lá ele foi recebido por todos os grandes profetas do passado, antes de ascender aos sete céus. Em seu caminho ele buscou o conselho de Moisés, Aarão, Enoque, Jesus, João Batista e Abraão, antes de entrar na presença de Deus. A estória mostra o esforço dos muçulmanos de se afastarem da Arábia e entrarem no coração da família monoteísta, simbolizada por Jerusalém.

O respeito por outras crenças foi manifesto na Jerusalém islâmica. Quando o califa Umar, um dos sucessores de Muhammad, conquistou Jerusalém dos bizantinos cristãos em 638, ele insistiu que as três crenças de Abraão coexistissem. Ele se recusou a orar na Igreja do Santo Sepulcro quando ele foi acompanhado em um turno pela cidade pelo Patriarca ortodoxo grego. Se ele tivesse orado, ele explicou, os muçulmanos teriam construído uma mesquita no lugar, para comemorar a primeira oração islâmica em Jerusalém.

Os judeus descobriram que seus novos governantes muçulmanos eram muito mais agradáveis que os bizantinos. Os cristãos nunca permitiram aos judeus residirem permanentemente na cidade, enquanto que Umar convidou 70 famílias judaicas a retornar. Os bizantinos deixaram o templo judaico em ruínas, e começaram a usar o Templo do Monte como depósito de lixo.

Umar, de acordo com vários registros, ficou horrorizado ao ver esta dessecração. Ele ajudou a limpá-lo com suas próprias mãos, reconsagrou a plataforma, e construiu uma mesquita simples de madeira no extremo sudeste, lugar da mesquita de Al Aqsa hoje.

O Domo da Rocha de Jerusalém, construído pelo califa Abd al-Malik em 691, foi o primeiro grande prédio a ser construído no mundo islâmico. Ele simboliza a ascensão que todos os muçulmanos devem fazer a Deus, cuja perfeição e eternidade são representadas pelo círculo do grande domo dourado. Outros templos islâmicos no Templo do Monte, que os muçulmanos chamam de al-Haram al-Sharif, o Mais Nobre Santuário, foram devotados a Davi, Salomão e Jesus.

Depois do banho de sangue das Cruzadas, quando Saladino reconquistou Jerusalém para o Islã em 1187, os judeus (barrados da cidade pelos cruzados) foram convidados a retornar, e até os cristãos ocidentais, que tinham apoiado as atrocidades dos cruzados, tiveram sua volta permitida. No século 16, o sultão otomano Suleiman o Magnífico permitiu aos judeus fazerem do Muro Ocidental seu lugar sagrado oficial, e Sinan, seu arquiteto da corte, construiu um oratório para eles lá.

Então, por que a rejeição demonstrada por alguns muçulmanos em Jerusalém hoje? Na história, a cidade santa tem sido sempre mais preciosa para um povo após a terem perdido. Na luta pela sobrevivência, as tradições mais apaixonadas tendem a se perder. Como os muçulmanos do mundo hoje sentem que Jerusalém está saindo de seu alcance, alguns demonstram uma intolerância que está longe do espírito corânico. Em uma época na qual atrocidades religiosas ocorrem em praticamente todas as crenças, seria trágico se a tradição islâmica de inclusão e respeito fosse perdida para o mundo.

 

Texto original: "Why Jerusalem Was Central to Muhammad?" de Karen Armstrong, publicado na revista Times - http://www.time.com/time/2001/jerusalem/islam.html 

Karen Armstrong tem se destacado entre os comentadores de língua inglesa em assuntos religiosos. Ex-freira católica, ela deixou sua ordem em 1969 e se formou em Literatura, na Universidade de Oxford.

Escreveu vários livros sobre religião, entre eles: “The Gospel According to Woman”, “Islam: A Short History”, “Muhammed: A Biography of the Prophet”, “Buddha” (o mais recente) e “A History of God: the 4000 Year Quest of Judaism, Christianity, and Islam”, seu best-seller, traduzido em 16 idiomas.

 

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