As
Khutbas dos Andaluzes - Sobre a Hipocrisia
Não há nada mais contrário ao
Islã que a hipocrisia, Al Nifaq. Nada é mais odioso para o Islã que Al
Nifaq, a hipocrisia, nem mesmo Al Kufr (Incredulidade).
Inclusive um Káfir é
melhor que um munáfq, que um hipócrita. Assim disse claramente Al Qur'aan Al
Karim: O destino do munáfq é o grau mais baixo, o mais doloroso de Al
Yahannam, de al Nar, do Fogo.
O castigo final que
aguarda um munáfq é o mais terrível, o mais doloroso, maior ainda que o do
Káfir, porque o munáfq é pior que o káfir.
O káfir é inimigo do
Islã, um inimigo declarado, porém o munáfq é um inimigo do Islã dentro do
Islã, é o inimigo mais perigoso.
O Islã tem aversão
ao nifaq, à hipocrisia e às atitudes hipócritas, sejam elas uma ameaça
direta ao Islã, sejam simplesmente uma forma falsa de ser, de querer enganar
aos muçulmanos, porque esta forma de ser agride ao Islã, ainda que sua intenção
não seja abertamente contra o Islã.
O Islã odeia a
hipocrisia, qualquer que seja a sua forma, e ama a sinceridade, al sidq, a
autenticidade. Allah ama aos sinceros, aos Sadiqín. Porém, não nos
confundamos, ser sincero não significa ser mal-educado, grosseiro ou
desconsiderar aos demais. Como nos ensinam nossos mestres, o Islã é, desde o
princípio até o fim, adab, cortesia. Porém não se trata de uma cortesia
formal; adab se defina como o reconhecimento devido a cada coisa, e implica,
portanto, em conhecimento.
Adab é sabedoria, é saber valorizar as coisas e adotar o comportamento adequado que cada realidade exige de nós a cada momento. Por isso se diz que tudo tem seu adab, sua cortesia necessária. O adab não é jamais hipocrisia. A hipocrisia é fazer coisas, formalidades, sem senti-las, por que são socialmente desejáveis ou por algum outro motivo, interesse ou objetivo, que não se declara.
Na hipocrisia há falsidade, há algo escondido que não se mostra. A
sinceridade, contudo, não é expor as pessoas, nem constrange-las: a isso se
chama indecência. A maior virtude da sinceridade é o pudor, a vergonha, o
recato, por isso a sinceridade não é grosseira, mal-educada, ou sem
consideração. O pudor é a semente mesma do adab.
Pudor em árabe se diz
Haya; evidentemente, conota a idéia de hayat, vida, porque o pudor é
ruborizar-se, e ruborizar-se é sinal de fluxo de sangue, e o vermelho do
sangue, o vermelho das bochechas daquele que se ruboriza é signo de vida, é
signo de saúde.
O saudável é sentir pudor, sentir haya. Quem não se ruboriza perante as coisas se faz grosseiro, mal-educado, e sem consideração. Diz-se que Rasulullah (SAWS), se ruborizava quando estava diante das pessoas, chegando a ser comparado a uma noiva no dia de suas bodas. E ele era o mais sincero dos homens, o mais claro e contundente, e o mais firme.
Porém nós,
contrariados, fartos da hipocrisia das pessoas passamos ao extremo da
grosseria, da falta de educação e da desconsideração, como se estes vícios
fossem o antídoto da hipocrisia, e não são senão isso, falta de educação
grosseria, e desconsideração. É como se estivéssemos que estar sempre em
um extremo, como se a idéia de equilíbrio estivesse ausente de nossas
mentes. Com isso mostramos que dependemos totalmente dos critérios
judaico-cristãos, que somos incapazes de sair deles, e buscamos nos opor aos
valores ocidentais porém dentro do ocidente mesmo, num circulo vicioso
exaustivo e inoperante.
Precisamente nossa sinceridade, nosso sidq, dentro do Islã, exige uma forte
cortesia e consideração pelos demais, por nós mesmos e por Allah. Isso é o
adab.
A sinceridade do muçulmano
exige adab, e tudo tem o seu adab; diante dos nossos pais há um adab a
seguir, não se pode falhar com eles ainda que nos pareçam maus, ainda que
nos tenham falhado, ainda que sejam infiéis em todos os sentidos do termo,
porque acima de tudo devemos reconhecer neles a nossa origem, são nossa
genealogia. Devem ser tratados com afeto, e declarar este afeto não é
hipocrisia, senão uma prova de sabedoria, uma demonstração de que se
valoriza a própria vida que se tem e que se sabe qual é a sua fonte, por
muito que nos desagrade esta fonte. Também os vizinhos exigem o seu adab,
porque são os companheiros de nossas vidas e devemos todos construir juntos
nossas vidas, tolerar-nos, desculpar-nos mutuamente, para tornarmos mais
suportável a vida.
Conta-se em um hadith
que em certa ocasião, habibullah (SAWS) repetia e insistia com tanta veemência
sobre os direitos que têm sobre um muçulmano seus vizinhos, que deu a
impressão que acabaria dizendo que também seriam seus herdeiros quando
morresse.
A Umma tem seu adab. A Umma exige nosso respeito, nossa estima. Um muçulmano é para outro muçulmano um irmão, e nem é necessário falar aqui sobre o adab que o Islã exige que exista entre os muçulmanos. E, presumidamente, a mesquita exige adab, muito adab. A mesquita deve ser saudada como se fosse um ser vivo. Dois Rakas quando nela se entra, diz a sunna. Isso se chama saudação à mesquita (tahiatu’l Masjid). Como não haveria de ser respeitada e saudada com todas as honras uma mesquita, sendo ela um lugar de assembléia entre os muçulmanos, o lugar de sentar com al Habib, com Allah, Reb’l Aalamin?
Na mesquita deve-se agir corretamente, sem grosserias, falta de educação ou desconsideração. Uma mesquita não é um bar, uma mesquita é lugar de adab. Em uma mesquita os muçulmanos se saúdam entre si e não deve haver uma voz mais alta que a outra. Não porque as mesquitas sejam um lugar sagrado; somente o solo sagrado vai comunicar-nos respeito? Não demonstraremos que precisamente o humano é que é digno de respeito?
Os cristãos tiveram que fazer de Jesus um deus para mostrar-lhe algum respeito, tiveram que fazer de suas igrejas um espaço solene para torna-la digna de algum respeito. Os muçulmanos demonstram que não é necessário fazer nada disso, que isso é uma tolice e, precisamente, sem fazer de Sayydna Isa um deus, respeitam-no ainda mais que os cristãos, e sem fazer da mesquita um lugar de espetáculos solenes, um lugar de cura impressionante e miraculosa cura, sem fazer isso de uma mesquita, é esta um lugar para o adab, para o respeito entre os muçulmanos, para o respeito perante Allah.
A uma mesquita se vai
com profundo adab. Em uma mesquita se pode comer, quando se vai comer entre
todos, se pode beber, se pode estudar, e mesmo se pode dormir, porém não se
pode fazer nada que incomode ou desgoste a ninguém. Não se pode dizer coisas
ofensivas, não se pode fumar, não se pode cuspir no tapete, não se pode
agredir a ninguém, nem mesmo lhe falar mal. Isso é adab, não é hipocrisia,
é consideração pelas pessoas e pelo lugar que nós, muçulmanos, revestimos
de uma transcendência especial. Porque tenhamos clara uma coisa: a Allah
ofende o que ofende as pessoas, e lhe agrada o que a elas agrada.
O que quer dizer isso? Isso é um critério. E é todo um caminho para chegar a Allah: para que cheguemos a Allah de forma sensata, não de forma psicótica.
Somos muçulmanos, não
hippies. Devemos ser cordiais e não desequilibrados que andam fazendo
loucuras. Tenhamos um critério sensato e equilibrado e na hora que a
oportunidade surgir, não nos ponhamos no extremo, senão no justo meio, em
que a sinceridade não está competindo com as maneiras mais finas, educadas e
amáveis de dizer as coisas.
Texto
original: "Las Jutbas de
los Andalusíes" retirado
do site WebIslam, Página da Federação
das Entidades Islâmicas Espanholas (FEERI).
Traduzido por Talib
bin Ali, Psicólogo, Diretor Técnico da Casa da Esperança - Fundação de
atendimento a pessoas com autismo - Fortaleza - Ceará. Revertido ao
Islã em 1998.