O Legado Islâmico nas Américas Primitivas


 

Africanos Ocidentais, Mouros e Ameríndios

 

 

  Introdução:

Os trabalhos de homens como Ivan Van Sertima, Barry Fell e Alexander Von Wuthenau representam a erudição  do século 20 que declarou direta ou indiretamente - que houve uma presença islâmica significativa nas Américas. Embora seja verdade que tem havido um número de autores muçulmanos como Clyde-Ahmad Winters que tem tentado informar seus companheiros sobre este fato, é talvez mais significativo que "não-muçulmanos" tenham identificado evidência de muçulmanos pré e pós-colombianos neste continente.

 

  Barry Fell:

O arqueólogo neozelandês e lingüista Barry Fell em seu trabalho "Saga America" (1980) apontou para a evidência de presença muçulmana em várias partes das Américas. Além de traçar vários paralelos culturais entre povos africanos e certos povos "indígenas" do sudeste, Fell destaca que o povo Pima do sudeste possuía um vocabulário que continha palavras de origem árabe. A presença de tais palavras entre os Pima é composta pela existência de petrogrifos islâmicos em locais como a Califórnia. Fell nos informa que no distrito de Inyo, Califórnia, existe um antigo petrogrifo americano (pedra talhada) que afirma em árabe: "Yasus bin Maria" ("Jesus, filho de Maria"), uma frase comumente encontrado dentro de suratas do Alcorão Sagrado. Fell está convencido de que o grifo é muitos séculos mais antigo que os Estados Unidos.

Fell também identificou a língua algonquiana como tendo palavras com raízes árabes, especialmente palavras que pertencem à navegação, astronomia, meteorologia, medicina e anatomia. A presença de tais palavras ilustra mais uma vez um contato cultural significativo entre os "índios" americanos e povos de língua árabe do mundo islâmico. Tais povos islâmicos vieram basicamente do continente africano como evidências adicionais sugerem.

 

  Alexander Von Wuthenau:

Embora o historiador de arte e colecionador alemão Alexander Von Wuthenau argumente que as Américas da Antiguidade e primitivas foram ocupadas por uma mistura internacional de povos da África, Ásia e Europa, sua evidência artefatual revela que os povos muçulmanos eram claramente um grupo predominante entre eles. Em seu clássico trabalho, "Unexpected Faces in Ancient America" (Faces Inesperadas na América Antiga) (1975), Von Wuthenau especificamente identifica um grupo de pedras talhadas como de "aparência moura". Encontradas no México, tais pedras datam de entre 300-900 E.C. e outras entre 900-1500 E. C.(era comum). Um artefato do "clássico" (300-900 E.C.) é descrito como "um homem velho com um chapéu". Tais artefatos valem mil palavras e a fotografia do artefato do "homem velho" se assemelha claramente a de um homem velho usando um Fez.

A presença da naja entre os dineh ("navajo") é intrigante dando outra evidência de contatos islâmicos com o antigo ocidente americano. A naja é um símbolo em forma de lua crescente encontrado entre os dineh que é usado em peças de decoração e joalheria. Embora seja possível que o símbolo seja indígena aos dineh, um número de estudiosos Smithsonianos aparentemente pensa que o símbolo: "se espalhou da África do Norte muçulmana para a Espanha, então para o México e então para os Navajos" (The American Native (1991) editado por Colin Taylor). Embora a inferência dos textos Smithsonianos publicados pareça ser de que os espanhóis trouxeram a naja, parece muito estranho para mim que os  católicos espanhóis tão concentrados no crucifixo introduziriam tal símbolo. Afinal, os comumente dogmáticos católicos espanhóis teriam introduzido um símbolo religioso que representava o motivo espiritual de seus rivais. Se foi trazido da Espanha, eu argumentaria que veio provavelmente através dos muçulmanos mouros expulsos ou subjugados "mouriscos". "Mourisco" era o termo usado pelos oficiais católicos para designar mouros que foram permitidos permanecer em domínios católicos. É essencialmente pejorativo.

 

  Ivan Van Sertima

Ivan Van Sertima é com certeza renomado por seu revitalizante primeiro trabalho original: "They Came Before Columbus" ("Eles Vieram Antes de Colombo") (1976) que destacou a evidência de antigos e mais recentes contatos africanos com o continente americano. Embora não fôsse o primeiro trabalho a discutir o tópico, certamente consolidou a evidência africana em um estilo mais interdisciplinar que alertou para uma renovada atenção particularmente da comunidade afro-americana. Os outros trabalhos editados de Van Sertima como "African Presence in Early America"  ( Presença Africana na América Primitiva) ofereceu informação adicional sobre o legado africano nas Américas. Ambos apresentam provas de assentamentos de muçulmanos africanos dentro das Américas pré-Colombiana. Van Sertima identifica documentos chineses dos séculos 12 e 13 que falam de comércio "árabe" muçulmano se estendendo além da costa atlântica do oeste da África.

Entre as evidências que Van Sertima desvela está a presença de sobrenomes muçulmanos africanos entre os povos "índios" americanos.  Citando um lingüista francês, Van Sertima destaca que Ges, Zamoras, Marabitine e Marabios são um pouco dos nomes com claros elos transcontinentais. De particular interesse para mim, entretanto, são os nomes "Marabitine" e "Marabios" que percebi estarem relacionados com "Marabout" (Murabit): os "Homens e Mulheres Sagrados" do Império Mouro. Os Marabouts eram os protetores das fronteiras africanas muçulmanas, e eram frequentemente lembrados por terem agido como barricadas contra a usurpação católica/européia. O famoso Ibn Batuta falou dos Marabouts em seu renomado "Travels" (Viagens). A antiguidade de tal presença "moura" (africana) nas Américas parece ser comprovada quando se considera a significância de todas as evidências apresentadas aqui.

Em seu trabalho "Arabic Thought and It's Place in Wester History" (Pensamento Árabe e Seu Lugar na História Ocidental) (1992), o "orientalista" britânico De Lacy O'Leary também fala da área do "Magrebe ocidental" se estendendo "além do Atlântico" durante a era Islâmica pré-Colombiana. A questão é a quanto além O'Leary se refere? Embora O'Leary nunca afirme claramente que houve presença islâmica nas Américas primitivas, sua inferência nos leva a crer que isto é o que ele quis dizer mas não abertamente. Como um estudioso do mundo islâmico, De Lacy certamente sabia que muçulmanos possuíam as habilidades organizacionais, técnicas e navegacionais para fazer tal viagem. A prova histórica de tal viagem vem na forma de Abu Bakari II de Mali, que é mencionado em Roudh el-kartos como tendo feito tal viagem no início do século 14 (cerca de 1312 E.C.). Isto é destacado no "They Came Before Columbus" (Eles Vieram Antes de Colombo) de Van Sertima.

 

  Caribe, Panamá e Colômbia

No Panamá e Colômbia existiram governantes ("príncipes") que os invasores católicos espanhóis reconheceram com tendo nomes "completamente mouros ou bíblicos" : tais como "Do-Bayda" e "Aben-Amechy". Isto foi revelado pelo estudioso francês do século 19 Brasseur de Bourborg e é destacado no trabalho editado de Van Sertima "African Presence in Early America" ( Presença Africana na América Primitiva).

Até no Caribe a evidência de significativa presença muçulmana pode ser encontrada. P.V. Ramos destaca em seu ensaio em "African Presence in Early America", que a impressão de Cristóvão Colombo sobre os povos do Caribe era de que fossem "maometanos". Ramos diz que as restrições dietárias do Caribe eram similares às dos povos islâmicos e isto forneceu razão para tal impressão.

 

  Clyde Ahmad Winters

Na era pós-Colombiana existiram grandes números de muçulmanos residindo dentro das Américas colonizadas pela Europa. Irmão Clyde Ahmad Winters em um artigo de 1978 de Al-ittihad: Um Jornal Trimestral de Estudos Islâmicos, destaca que grandes números de muçulmanos escravizados foram trazidos para a "América Latina" por (e para) as autoridades conquistadoras católicas de Espanha e Portugal.

Entre os povos africanos muçulmanos que Winters identifica como tendo sido trazidos para territórios "latinos" estavam os Mandingas, os Fula, Wolof, Bérberes e Mouros.

Os muçulmanos africanos da América Latina primitiva foram evidentemente muito bem-sucedidos na conversão de índios americanos ao Islã. Permitidos inicialmente de praticar sua fé publicamente, por volta de 1543 muçulmanos nas colônias americanas controladas pela Espanha foram expulsos delas. Winters nos informa que logo depois que uma rebelião anti-espanhola (católica) de forças caribenhas e Wolof associadas fracassou em 1532, os Wolof foram proibidos de entrar no Caribe "latino" sem permissão especial das autoridades católicas espanholas. De acordo com Winters, o crescimento da religião islâmica entre os índios americanos continuou um problema para a Espanha.

Winters traça diversas conexões culturais entre povos indígenas tais como os Nanticoke e muçulmanos africanos como os Mossi. Ele também discute a presença do Islã em locais como Brasil cujos muçulmanos eram mais frequentemente letrados no estilo magrebino de árabe. Seu ensaio revela claramente a ampla presença de muçulmanos - especialmente muçulmanos africanos - através das Américas : norte, central e sul. Embora irmão Winters não fale diretamente sobre a questão se os muçulmanos alcançaram as Américas antes dos católicos da Espanha e Portugal, eu arriscaria dizer que o fizeram.  Evidências citadas anteriormente apóiam a opinião de que a chegada dos colonizadores muçulmanos pré-data a era Colombo dos católicos. De fato, eu afirmaria que o uso de navegadores e informações de navegação de muçulmanos mouros habilitaram os espanhóis e portugueses alcançar e colonizar as Américas.

 

  Herança Moura

Eu considero muito significativo que os povos africanos que Winters menciona (tais como os Mandinga, Fula, Mouros, Wolof e Bérberes) vieram todos de dentro dos limites do Império Mouro. Registros históricos revelam que na África o Império Mouro se estendeu tão longe quanto ao extremo sul como o rio Senegal quanto ao extremo oriente como a fronteira egípcia. Historiadores do Magrebe como S.S. Imamuddin nos recordam do vasto território que foi reconhecido como "mouro" pelos governos centralizados dos séculos anteriores. O reconhecimento do fato incluiu o mundo Ocidental/Europeu. Consequentemente, seria razoável para os povos nos séculos anteriores considerar os Mandinga e os Fula também como mouros, uma vez que isto designava pessoas vindas do território mouro. Tudo isto mudaria claro, quando os territórios reconhecidos dos mouros diminuíram com o tempo.

Deve ser dito que aquelas pessoas conhecidas como latinos e/ou espanhóis mais que provavelmente possuem o sangue dos mouros (africanos). Existe um elo entre eles e os governantes muçulmanos de Al-Andalus (Andaluzia) - conhecida posteriormente como os reinos de Espanha e Portugal. Este fato certamente torna muito difícil para tais povos ser racistas em relação aos africanos ou muçulmanos. Tais comunidades católicas devem argumentar apenas diferenças teológicas e nunca "raciais". Um espanhol ou latino católico está essencialmente tentando esquiar em gelo derretido quando tenta argumentar baseado em supremacia racial ou distinção. Em acréscimo, estariam negando o fato histórico do papel fundamental dos mouros muçulmanos como tutores eruditos da sociedade civilizada para a Espanha e Europa medieval.

Existe muito mais que pode ser dito sobre o legado dos muçulmanos nas Américas primitivas. Mas este curto ensaio pretendeu apenas iluminar uma área da experiência islâmica que é frequentemente ignorada. Apesar do que a comunidade cristã pode pensar, a presença de muçulmanos nas Américas é muito mais antiga e profunda do que muitos deles sabem (ou admitem).

É minha esperança que este ensaio tenha servido para iluminar e fortalecer a fé de todos aqueles que seriamente buscam a verdade, e escolhem se submeter à vontade do Único Criador - Deus, Allah (SWT). Que os princípios espirituais do Amor, Verdade, Paz, Liberdade e Justiça guie todos nós. Paz.

 

Texto: "Muslim Legacy in Early Americas" de Jose V. Pimienta-Bey.  O artigo original foi editado e notas adicionais foram inseridas pelo Dr. A. Zahoor. Retirado do site Islamic Civilization e traduzido com permissão. 

 

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