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Não Sem a Sua Maquiagem |
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Essa
é uma sátira escrita para imitar artigos, relatos e estórias
geralmente escritos sobre mulheres muçulmanas por mulheres ocidentais não-muçulmanas.
É, até certo ponto, uma tentativa de passar aos leitores como é ser
visto como “o outro” e
ser julgado superficialmente de acordo com percepções próprias.
Espero que o tomem pelo que
ele é - uma sátira.
Eu
não me lembro claramente da primeira vez que eu estive aqui. Minhas
lembranças mais antigas da Austrália começam quando eu tinha por
volta dos seis ou sete anos, provavelmente em minha primeira viagem
depois que nasci na cidade de Sydney. Meus pais não estavam
particularmente felizes com a idéia que eu crescesse aí. Então,
levaram-me para o Irã na primeira oportunidade.
Enquanto
crescia, minhas impressões de Sydney foram formadas a partir de relatos
que eu ouvia de meus pais, programas na televisão e naturalmente, o que
eu vi em minhas viagens. De minha primeira viagem na idade de sete anos,
eu me lembro vagamente das pessoas que eu encontrei e dos lugares que eu
visitei. Lembro-me mais de minha segunda viagem, quando estava na idade
de quatorze anos. Lembro de meus pais me advertindo repetidamente sobre
como mulheres eram tratadas numa sociedade tão fundamentalmente
Ocidental.
Enquanto
estive lá, aprendi que individualidade era algo que os australianos
apenas sonhavam a respeito. Eu logo descobri que tinha que me adaptar ao
código de vestimenta seguido por todos. Tinha que ter meu cabelo
frisado e pintado. Tinha que gastar entre quinze e vinte minutos cada
manhã o escovando e pondo grampos e laços. Tinha que fazer um
rabo-de-cavalo num dia, uma trança no outro e um coque quando fosse a
jantares. Fui coagida a usar saias curtas e tops apertados, com um sutiã
meia-taça para acentuar o busto. As minhas pernas tinham que estar à
mostra, macias e lisas, e todo o mundo tinha que ser capaz de medir a
minha cintura.
Me
disseram que eu
'tinha que me ajustar'. Parte do ritual de ajustamento significava que
eu tinha que pintar o meu rosto com o que eles chamavam de maquiagem
cotidiana. Descobri que aquelas mulheres australianas gostavam de atrair
tanta atenção quanto possível, se escondendo atrás de sua maquiagem.
Faziam seu cajal em líquidos e lápis, ao invés de em potes como nós
fazemos, e os vendiam em lojas sob uma variedade de nomes e preços
diferentes. Todos se pareciam iguais para mim. De qualquer modo, eu
comprei o que eles me disseram para comprar e usei o que eles me
disseram para usar, de batons a aparelhos para fazer abdominais, mudando
o meu corpo da cabeça aos pés para agradar seus deuses masculinos.
Tais coisas asseguravam que todos quisessem 'ficar' comigo (um termo que
denota algo relacionado a passar um tempo e/ou aceitação social).
Nos
cinco anos entre aquela época e agora eu tinha me convencido de que a
Austrália tinha se unido a outros países na estrada do progresso. Mas
meu retorno a Sydney ao mesmo tempo me chocou e entristeceu. Enquanto
muitas partes do mundo viram o desenvolvimento, a Austrália ficou para
trás, especialmente com referência à condição das mulheres. Parece
que só prosperou em se afundar num poço sem fundo de regressão. Neste
índice, eu temo que a Austrália seja uma segunda América em
desenvolvimento.
Em
minha
chegada eu topei com algumas mulheres típicas de Sydney. Posso ver que
elas seguem o restrito código de vestimenta imposto pelo sistema
social. A elas não é permitido usar roupa larga ou lenços até que
estejam velhas ou doentes, e é preferível que elas mostrem tanto dos
seus corpos quanto possível. As mulheres que quebram esta regra sofrem
duras penalidades. Sarah, uma vítima de tais injustiças, contou-me os
detalhes. Como castigo por usar roupas não-reveladoras, ela é
considerada sem atrativos e recebe tratamento desigual por seus
empregadores. Ela diz que não é considerada "normal".
Um
dia na vida de uma mulher normal aqui requer que a sua aparência seja o
ponto principal. Sua sexualidade deve estar disponível para todos
consumirem. Ela não pode escolher a quem ela exporá suas partes íntimas
ou exercitará sua sexualidade. Ela não tem muita escolha no que ela
quer fazer com o seu corpo. Uma vez que o regime fundamentalista insiste
que ela deve estar disponível para exposição numa certa maneira, ela
deve seguir estas regras.
As
regras são baseadas nas Escrituras Sagradas australianas, duas das
quais são Dolly e Cosmopolitan. Também conhecidas como revistas, elas
contêm os ensinamentos de editores linha-dura e repórteres/escritores
que projetam a forma na qual a sociedade deve ver as mulheres, e a forma
como as mulheres devem vestir e agir. Desde o advento destas revistas
tem havido conversões em massa no país à fé que elas pregam. A
autoridade e o controle foram transferidos para elas, e elas desempenham
um papel vital na vida das mulheres. Elas institucionalizaram diretrizes
radicais tal como as medidas 36:24:36 para o corpo da mulher. Além do
mais, elas propagam intolerância e ódio a ser internalizado em todas
as mulheres - ódio pelos seus próprios corpos, inteligência natural,
privacidade e dignidade inerente. Estas mulheres sofrem lavagem cerebral
acreditando que seu Criador é o culpado por suas deficiências em não
automaticamente se enquadrarem nestes padrões.
De
acordo com estas imposições opressivas, o comércio do país se
desenvolveu. A indústria é dedicada ao desenvolvimento de produtos
para ajudar mulheres a parecerem tão artificiais quanto possível. O
mercado está cheio de produtos para o rosto e cada parte diferente
dele, mais o cabelo, as mãos, as pernas, as unhas...a lista prossegue.
Eu suponho que se deve concordar com o fato de que Austrália atrasou o
seu desenvolvimento porque prioriza a aparência sobre o fato de que
milhões de pessoas no mundo têm fome.
É
interessante olhar alguns anúncios para produtos de beleza. Eu
advertirei, entretanto, que vinda de uma sociedade emancipada, eles são
muito perturbadores. Por exemplo, um anúncio para tinturas de cabelo
tem o lema “L’Oreal - porque eu valho". Uma modelo num anúncio
para xampu alega que usar aquele xampu lhe dá mais confiança.
Estas pobres mulheres devem usar xampu, condicionar e colorir o seu
cabelo de modo a se legitimarem. Necessitam do cacho perfeito e da cor
mais brilhante. Seu valor para a sociedade está diretamente ligado ao
seu cabelo.
Outras
práticas significativas são os costumes predominantes de casamento. É
requerido que uma mulher execute o cerimonial 'sair', que pode durar
qualquer período de tempo entre um dia a dez anos. Isto começa cedo,
na escola primária, e a medida que ela cresce, ela sai com vários
homens. Até que ela ache aquele com quem ela deseja se casar, ela não
se compromete com nenhum homem.
Todos
os homens com quem ela sai tem permissão de tocar o seu corpo e dormir
com ela. Todo esse tempo, sua condição e aceitação na sociedade é
determinado por quantos destes homens ela acomodou em sua vida. Quanto
maior for a cotação de homens, mais suficiente ela é considerada.
Particularmente no segundo grau, meninas jovens têm pouco a contribuir
para suas próprias identidades. Suas identidades derivam de com quem
elas saem e com quantos meninos elas saem. Embora esta espécie de
tortura mental seja menos óbvia nos anos posteriores de suas vidas,
minhas conversas com muitas mulheres na universidade e trabalho indicam
que elas ainda sofrem. Algumas sentem que devem se casar de modo a terem
um lugar na sociedade.
O
casamento, entretanto, está sujeito a uma regra bizarra. Uma mulher
legalmente não pode se casar sem o consentimento de seus pais até que
ela tenha dezoito anos de idade. É socialmente esperado, entretanto,
que meninas abaixo dos dezoito percam a sua virgindade. Quando eu estava
escutando a uma das estações populares de rádio, 2DayFM, eu fui
informada que a idade média que as australianas perdem sua virgindade
está entre treze e quinze anos. Como conseqüência disto, muitas
meninas abaixo dos dezoito ficam grávidas. A sociedade aceita estas
meninas como mães antes dos dezoito anos, mas não lhes permite ter
maridos, que também poderiam assumir responsabilidade como pais das
crianças nascidas. Enquanto as mulheres devem suportar a
responsabilidade da maternidade, os homens podem escapar às conseqüências
da paternidade. Esta é uma das muitas contradições que existem na
Austrália hoje.
As
desigualdades também existem para as mulheres que se casam. O casamento
requer que a mulher desempenhe múltiplos papéis. Elas devem ser
esposas, mães e freqüentemente as mantenedoras da família. Elas
assumem a responsabilidade de cuidar de seu marido e das crianças em
casa, enquanto também ganham dinheiro não só para si, mas também
para a família. O que ganham não é unicamente sua propriedade. Ao
contrário das sociedades islâmicas, o seu marido e a sua família têm
direito sobre a sua renda e elas até pagam por mantimentos!
Freqüentemente
não é dada a ela a escolha se ela quer permanecer em casa ou trabalhar.
A sociedade em que ela vive entesoura o materialismo e o dinheiro,
dinheiro e mais dinheiro. É vital a seu estilo de vida. Como resultado,
ela deve sair e trabalhar. Além de tudo isso, a sua posição na
sociedade é julgada pela sua capacidade de trabalhar fora do lar. Ela
deve carregar a maior carga na sociedade. Ela realmente não tem o
direito de escolha. Você pode imaginar uma vida onde sua identidade é
julgada por tudo que você tem e não por tudo que você é? Ainda
mais surpreendente é a prática cultural comum de mulheres que mudam
seus sobrenomes para os sobrenomes dos maridos. Amanda, uma aluno de
Direito que se opõe a essa prática, me contou que anteriormente este
ato simbolizava a transferência de todos os direitos e propriedades da
mulher de seu pai para seu marido. Embora o costume de uma mulher se
tornar propriedade do marido tenha cessado, as mulheres ainda mudam seus
nomes para os nomes de seus maridos.
Vendo
tudo isto eu estou ciente que as mulheres australianas tem negados
direitos que são básicos a muitas mulheres muçulmanas. O que me
preocupa, entretanto, é se elas estão cientes desse fato.
Lembro
que na minha segunda viagem a Austrália eu me senti como se tivesse uma
forca Ocidental amarrada ao redor do meu pescoço. Eu me senti como se não
tivesse nenhum espaço para respirar ou me libertar. O ar ao redor de
mim embotava minha beleza, meu espírito e minha alma. Mas eu tive sorte.
Eu pude partir.
A
maioria das mulheres australianas com quem eu falei não tem essa
alternativa. Elas nem tem consciência de seu sofrimento. São
empurradas para um cerco onde elas não podem ver além das divisas de
tal sociedade fundamentalmente Ocidental. Mulheres imunes à correção
Ocidental - principalmente as muçulmanas educadas - começaram
programas para educar as outras ao seu redor. Elas estão se afirmando
ao sair do confinamento, usando roupa largas e negando que qualquer um
tenha acesso à sua sexualidade. Eu vejo os seus esforços como uma luz
trêmula de esperança. É crucial que antes que as mulheres possam se
aprimorar, elas sejam ensinadas sobre os direitos que têm e que a
sociedade lhes tomou.
Não obstante, ainda há esperança. Eu conclamo a todas as mulheres muçulmanas do mundo a virem salvar as mulheres australianas. Eu insisto que todas nós nos levantemos contra a opressão Ocidental em partes diferentes do mundo. É nossa responsabilidade trazer progresso a estas sociedades e está em nossas mãos salvá-las.
Texto original: "Not Without Her Make-Up" de Tazin Abdullah, muçulmana de origem iraniana. Retirado do site "Islam - The Modern Religion" O título do artigo é uma alusão ao filme "Não Sem Minha Filha", estrelado por Sally Field e baseado no livro do mesmo nome, onde a vida das mulheres iranianas é retratada de maneira estereotipada e a partir de uma visão etnocêntrica.
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