As Grandes Sábias do Islã

 

As fontes reveladas da Charia são duas: o Alcorão e a Sunna. Sunna, de acordo com os lexicógrafos árabes significa: “um caminho, curso, regra, modo ou maneira de agir ou conduta de vida” e, no nosso contexto, refere-se ao modo de vida do profeta Muhammad (saws), narrado por seus companheiros mais próximos e por suas esposas, incluindo ditos, atos ou confirmações dadas pelo profeta.

Devido à importância desses ensinamentos surgiu a ciência dos hadiths voltada para a análise dessas narrações, para verificar sua autenticidade. Dessa forma, a vida do profeta, seus discursos, pronunciamentos, ações, aprovação silenciosa e até sua conduta passiva constituíram a segunda fonte religiosa e legal mais importante para os muçulmanos, depois do Alcorão.

Desde o início do Islã as mulheres desempenharam um papel importante na preservação e cultivo dos hadiths. Durante a vida do profeta (saws) muitas mulheres foram motivo para a evolução de muitas tradições, mas foram também responsáveis pela transmissão de hadiths para outras mulheres. Depois da morte do profeta (saws) muitas companheiras (no sentido de contemporâneas e parceiras na divulgação da crença), principalmente suas esposas, foram vistas como guardiães vitais de conhecimento, procuradas para fornecimento de instruções aos companheiros do profeta. Os nomes de Hafsa, Umm Habiba, Maimuna, Umm Salama e Aisha são familiares para todo estudante de hadiths.

Vale a pena destacar o papel desempenhado por Aisha, que ocupa o quarto lugar entre os 9 narradores mais prolíficos de hadiths, sendo que a ela são atribuídas as narrações de mais de 2.000 hadiths. Os muçulmanos consideram que 2/3 da religião foram transmitidos e preservados por meio dela, que tinha inteligência e memória admiráveis e algumas vezes corrigiu o entendimento de companheiros do profeta em relação a hadiths específicos. Devido ao seu grande conhecimento dos hadiths e da lei islâmica em geral e de sua capacidade de entender sua aplicação, até os companheiros mais importantes e experientes a procuravam para conselhos em questões legais, após a morte do profeta (saws).

Na geração seguinte esse comportamento continuou e serão citadas duas que se destacaram entre as muitas que eram respeitadas, Umm Darda e Amra Bint Abd al-Rahman. Umm Darda foi considerada uma jurista de habilidade e mérito indisputáveis, superiores aos de todos os juristas homens de sua época, incluindo Hasan Al-Basri e Ibn Sirin, considerados 2 mestres da ciência de hadith. Amra teve entre seus estudantes o juiz renomado de Medina, Abu Bakr ibn Hazm, que recebeu ordem do califa para registrar todos os hadiths narrados por ela.

Essas mulheres vinham de todas as classes sociais, algumas eram servas inicialmente e outras pertenciam à nobreza da época. Davam palestras e aulas públicas e todas as compilações importantes revelam a participação de mulheres desde o início, com nomes listados como autoridades nas cadeias de transmissão.

A tradição islâmica de erudição feminina continuou até os séculos cinco e seis da Hégira (por volta de 1100 EC). Karima al Marwaziyya, que morreu em 1070, era considerada a maior autoridade de sua época na coletânea de Bukhari. Um dos grandes estudiosos da época, Abu Dharr de Herat, aconselhava seus alunos a só estudarem a coletânea com ela. Fatima bint Muhammad, que morreu em 1144, recebeu o título de Musnida Isfahan (a maior autoridade de Isfahan em hadith). Zainab bin Ahmad, que morreu em 1322, viajou muito para coletar e aprender hadiths e deu aulas no Egito e em Medina, sendo que alunos vinham de longe para participar de suas aulas. Ibn Battuta, famoso por seus relatos de viagem, estudou com Ajiba bint Abu Bakr, que morreu em 1339, em sua passagem por Damasco.

Ibn Hajjar relata breves biografias de aproximadamente 170 mulheres proeminentes do século 8, com algumas das quais ele próprio estudou, em uma de suas obras. Outro autor do século 9, Abdulaziz ibn Umar, relata biografias de 130 mulheres com as quais estudou.

Umm Hani Mariam, falecida em 1466, ensinava teologia, lei, história e gramática e era celebrada por seu domínio da arte da caligrafia, da língua árabe, aptidão natural para a poesia e observância estrita dos deveres religiosos.

Entretanto, as fontes indicam um declínio na participação das mulheres a partir do século 10 da Hégira (por volta de 1500) e a última sábia da qual se tem registro é do século 12 da Hégira. Seu nome era Fátima al-Fudailiya, também conhecida como sheikha Fudailiya, que adquiriu reputação como especialista em hadiths. No fim de sua vida se estabeleceu em Meca, onde fundou uma rica biblioteca pública. Muitos estudiosos de hadiths participaram de suas aulas e aprenderam com ela. Morreu em 1831.

Os registros indicam que todas essas mulheres não se limitaram ao estudo para uso pessoal ou para ensinar um grupo pequeno, mas ministravam aulas públicas para homens e mulheres no que seria o equivalente hoje a universidades. Às vezes davam aulas sozinhas, outras vezes em parceria com estudiosos homens, mas sempre em pé de igualdade.

Embora não tenha sido possível estabelecer uma motivação clara para o declínio na participação das mulheres, uma pesquisa rápida indicou que declínio semelhante ocorreu com os homens também, o que significa que a partir de determinado momento o interesse pela aquisição de conhecimento religioso diminuiu de forma acentuada na comunidade muçulmana, de maneira geral. Essa situação se agravou durante o período do colonialismo europeu na África e Oriente Médio, até chegarmos ao grau de ignorância e desconhecimento religioso observado nas comunidades muçulmanas.

 

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Este artigo foi retirado da apostila do curso "Islã: Origens e Fontes Religiosas" e teve como fonte o livro “Al Muhaddithat: the Women Scholars in Islam” – de Mohammad Akram Nadwi, publicado pela Interface Publications, em Londres, Inglaterra, no ano de 2007. O curso "Islã: Origens e Fontes Religiosas" foi elaborado e ministrado por Maria Christina Moreira e todo o seu conteúdo está registrado no EDA - Escritório de Direitos Autorais da Biblioteca Nacional. Não é permitida a reprodução sem autorização expressa da autora.

 

 

 

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