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Situando Identidades na Diáspora Africana: Islã e Escravidão nas Américas |
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De modo a situar africanos escravizados nas Américas em um contexto histórico,
é essencial compreender o “background” histórico dos escravizados na
África. A luta pela sobrevivência sob a escravidão requereu
ajustes e mudanças radicais, mas os escravos também mantiveram conexões
com o passado através do idioma, religião e práticas culturais.
Sua procura por uma comunidade é melhor representada
na questão dos muçulmanos em identificarem uns aos outros e de
(re)estabelecer a “jama’a” (comunidade). Apesar dos elos tênues com a
África e dentro da diáspora, eles foram capazes de nutrir
mecanismos religiosos e outras
formas de auto-identidade e de identidade de grupo. Elos entre a diáspora e a terra natal os capacitaram a
se ajustar de forma única às condições da escravidão nas
Américas, uma vez que escravos nascidos na África formaram uma porção
significativa da população escrava nas Américas durante a maior parte
da escravidão. A
importância da África ocidental na evolução do Mundo Atlântico
pode ser avaliada em uma comparação da escala de migração forçada
dos africanos em relação à migração livre dos europeus, onde se
verifica que muito mais africanos que europeus cruzaram o Atlântico. Por volta
de 1780, mais de 5,5 milhões de africanos tinha cruzado o Atlântico, em
contraste com apenas 1 milhão de europeus. Escravos nascidos na África
formaram a maioria da população na maioria das colônias de plantação
das Américas e continuaram assim em regiões como o Brasil e Cuba por
exemplo, até o século 19. Comunidades
de muçulmanos se tornaram amplamente dispersas em regiões das Américas.
Na América do Norte eles se encontravam nas regiões da costa da Carolina
do Sul, Geórgia e Louisiana, embora alguns muçulmanos tenham ido também para
Chesapeake. Registros biográficos revelam que os muçulmanos no Brasil
apresentavam uma concentração ainda mais forte, especificamente na
Bahia. Quem
eram estes muçulmanos, e o que pode ser aprendido de suas histórias
pessoais? Os vários líderes do Levante de 1835 na Bahia,
especialmente o indefinido Imam Abubakar, pode ser identificado no Sudão
Central. Quem era o velho Fulani
que Castelnau entrevistou no Brasil em 1848, e qual era o seu papel no movimento
“jihad” kanô? O
processo de escravização no interior da África Ocidental teve um
resultado não-premeditado: produziu
alguns escravos que eram bem educados, muitos dos quais tinham experiência
gerencial, militar ou comercial que puderam ser recanalizadas sob a escravidão.
Prisioneiros políticos que não eram mortos ou resgatados
eram enviados ao exílio através da venda de escravos, dentro da África
ocidental, através do Saara ou além-mar. Muçulmanos alfabetizados entre os escravos eram então
capazes de propagar o Islã em áreas fora do controle muçulmano, como na
região Ioruba, em Serra Leoa e Bahia. A significância do nome
“Bilal”, derivado do “muezzin” africano do Profeta, deve ser destacado.
O nome pode ter se tornado um título comparável ao de
Imam. Como
os muçulmanos perceberam que sua comunidade estava em crise, existia ênfase na
comunicação verbal e escrita, freqüentemente através de educação
formal que lembrava o tipo de aprendizado prevalente na África ocidental.
Diretrizes para o comportamento dos muçulmanos em terras cristãs era um
tema particularmente importante, e um dos que eram bem estudados em textos clássicos
usados nas escolas da África ocidental.
Sob a escravidão, a observância religiosa freqüentemente, de fato
usualmente, era feita de forma privada. Ocasionalmente,
as maiores festividades islâmicas eram registradas, e o jejum durante o mês de
Ramadã é freqüentemente notado. Algumas
vezes muçulmanos se convertiam nominalmente ao Cristianismo.
Os muçulmanos estavam preocupados com questões de sobrevivência
cultural e religiosa. Embora secreta, a educação formal parece ter
desempenhado um papel crucial nas estratégias de sobrevivência em locais tão
distantes entre si quanto Bahia e Geórgia. A
alfabetização era comum,
como se reflete nos textos de Bilali
Mahomet, Salih Bilali, Lamine Kaba e outros muçulmanos.
Estes clérigos tentaram reproduzir um sistema baseado no conhecimento
detalhado de trinta textos que eles não tinham mais. Porque o sistema
educacional promovia a memorização do Alcorão, não é
surpresa que o Alcorão tenha se espalhado nas Américas, virtualmente em
todos os lugares onde um clérigo treinado na África ocidental pudesse
ser encontrado. A ausência de
textos da África ocidental ou de outras partes do Mundo Islâmico
impediram o restabelecimento de um sistema educacional sob a escravidão.
Entretanto, a comunicação obstruída e a oposição
dos senhores parece não ter impedido a criação de escolas corânicas
já que papel e memória estavam disponíveis. A gramática,
os “hadiths” e outros textos foram reconstruídos. As
descrições da educação nos registros do muçulmanos escravizados
refletem os esforços para estabelecer escolas corânicas sob a escravidão. Sem legitimidade política e sob um regime de opressão,
tais escolas tinham que ser simples, mas sua existência não deve ser
posta em dúvida. Muitos
dos escravos no Brasil que vieram do Sudão Central no século 19 eram
prisioneiros políticos, freqüentemente alfabetizados e algumas vezes de
reconhecido “background” escolar,
comercial e aristocrático. Existe
razão para crer que alguns destes indivíduos eram importantes
historicamente no Sudão Central. Seria prematuro estimar o impacto nas Américas
até que mais seja conhecido sobre estes
indivíduos e a extensão, se houver, de sua comunicação
entre si e com muçulmanos na África. Entretanto não é prematuro
sugerir que as conexões islâmicas podem ter sido bem mais extensas do
que muitos estudiosos parecem estar
prontos a admitir. A
comunicação entre muçulmanos era um problema significativo na manutenção
das relações através do Atlântico durante a escravidão, mas não
era impossível. Da mesma forma, os elos regulares entre a Bahia e a Baía
de Benin foram bem estabelecidos por volta de 1820, antes dos muçulmanos serem
deportados de volta para Lagos e outros locais após o Levante de 1835 na
Bahia. Em 1846, havia movimento
regular através do Atlântico entre Salvador e Lagos. Estes
registros são citados como exemplos de como o difícil problema de
comunicação através do Atlântico era muitas vezes sobrepujado; é uma
questão posterior quando e onde tais contatos eram alcançados.
Abd al-Rahman al-Baghadadi al-Dimashqi, que foi para o Rio de Janeiro em
1865 e travou conhecimento com muçulmanos clandestinos vivendo lá, ficou
dois anos para instruir muçulmanos locais nos rituais e normas do Islã, como
praticadas no Porto de Otoman. No curso de sua estada, visitou a Bahia e recebeu
informações sobre o Levante Malê de 1835. Como no caso de outros muçulmanos
livres na diáspora, seu papel em conectar muçulmanos ao Islã era muito
importante. Os
muçulmanos formaram uma rede transatlântica semi-autônoma que resistiu à
integração ao “mundo Atlântico”.
Considerando a extensão da presença muçulmana sob escravidão,
outra questão é quais foram as principais diferenças entre muçulmanos,
especialmente com respeito ao seu ajuste à escravidão no período
de migração forçada? Existiram pelo menos duas fases da migração muçulmana
sob escravidão que podem ser traçadas ao “jihad”: uma fase
“ocidental” de migração muçulmana que data do período
anterior ao século 19, e uma segunda, uma onda mais concentrada do Sudão
Central, começando no final do século 18 mas se expandindo no início do
século 19. Vários
temas precisam ser explorados, incluindo a importância das tradições de
“acomodação” à sociedade não-muçulmana e autoridade política,
a diferença entre o Sudão Ocidental e Central em termos de momento do
movimento “Jihad”, a extensão da conversão ao Islã na diáspora,
e as interconexões de muçulmanos através do casamento, educação
e observância religiosa. Primeiro,
providenciaram exemplos de escravização que alimentou reclamações
de proponentes do “jihad” contra a escravização injusta de muçulmanos.
Uma das séries de reclamações da liderança “jihad” se
referia à escravização de muçulmanos nascidos livres. Muçulmanos que
se encontraram escravizados em terras não-muçulmanas podiam fugir para
os estados de “jihad” e assegurar sua liberdade, e mecanismos para resgate
de nascidos livres eram largamente praticados. As ênfases na guerra santa na África Ocidental tem sido associada com um deslocamento no debate entre muçulmanos sobre o proselitismo nas sociedades nas quais o Islã não era respeitado. Os muçulmanos tinham vivido por séculos entre não-muçulmanos e haviam tolerado várias práticas e abusos da tradição islâmica sem promover uma confrontação violenta. Um dos mais importantes proponentes desta tradição “quietista” na África Ocidental foi al-hajj Salim Suwari, que viveu primeiro em Massina mas depois se mudou para Jahaba, em Bambuhu, no século 15. De acordo com Ivor Wilks, A
insegurança da vida e da propriedade muçulmana sob os regimes militares de
Senegambia é aparente. A expansão dos regimes militares no interior
(Bambara Segu e Kaarta) e as guerras do Sudão Central reforçaram o
descontentamento entre muçulmanos. Não
existe dúvida de que o movimento “jihad” (e a oposição a ele)
influenciaram os muçulmanos nas Américas. No exame do processo de mudança, a
questão é como o “jihad” estava refletido na diáspora. Se as
suposições estiverem corretas, tanto a tradição Suwariana de
tolerância e acomodação e a tradição “jihad”
deviam estar presentes. Os
muçulmanos na diáspora se viram recriando uma comunidade muçulmana em
uma terra de opressão e governo cristão, mas suas respostas à
escravidão variavam, algumas vezes em formas que tinham seu paralelo nas
variações na África Ocidental. Os muçulmanos se comportavam
diferentemente, não somente da sociedade “crioula” em geral mas entre
si. No
início do século 19, os muçulmanos na Geórgia responderam à invasão
estrangeira suportando seus senhores, para preservar a acomodação que
haviam alcançado com a escravocracia. A comunidade muçulmana se protegeu
defendendo a propriedade dos senhores. Na
Bahia, entretanto, os muçulmanos tentaram derrubar o estado, encenando fuga
para escapar ao sistema escravo e promovendo a ideologia do “jihad”. Tanto
ex-escravos quanto escravos participaram nesta resistência. Estas diferenças
podem refletir as raízes históricas dos escravos envolvidos tanto
quanto refletem as diferentes circunstâncias da experiência escrava nas Américas. As
situações contrastantes da Geórgia e Bahia podem bem refletir tradições
intelectuais rivais dentro do discurso islâmico nos séculos 18 e 19 na
África Ocidental. Tanto os
proponentes da acomodação quanto os advocantes do “jihad” estavam
presentes na diáspora. O
levantes muçulmanos contra o estado colonial na Bahia entre 1807 e 1823
culminaram no Levante Malê de 1835. Havia
uma campanha ativa para converter escravos, especialmente iorubás, ao
Islã. O comportamento agressivo
dos muçulmanos foi uma das razões para a repressão severa da
comunidade muçulmana após 1835. Muitos
muçulmanos foram julgados perante um tribunal especial em 1835; alguns foram
executados, enquanto outros foram deportados para a África Ocidental. A
partir daí, os muçulmanos no Brasil foram forçados a clandestinidade;
muitos que haviam escapado da depuração de 1835 foram subseqüentemente
aprisionados, mortos ou deportados. As
práticas de escravização que se desenvolveram na África
Ocidental tinham influência sobre as práticas que evoluíram em
algumas partes das Américas? Quais eram as expectativas dos muçulmanos sobre
alforria ou resgate, e como isto se relacionava às expectativas sobre o direito
de trabalhar por sua própria conta como um escravo e se engajar no comércio
ou atividades artesanais? Certamente,
os serviços religiosos e de ensino
assim como outros serviços para a comunidade não eram recompensados
pelos senhores, mas alguns líderes muçulmanos encontravam meios de
reservar um tempo para estas atividades, tirando
vantagem por exemplo, do grande número de feriados públicos na
Bahia. O
estudo das instituições associadas com o Islã como praticadas na
África Ocidental e transferidas para as Américas sob a escravidão
sugere que o “background” africano ocidental ajuda a explicar as modificações
e adaptações da prática islâmica que inevitavelmente ocorreram
nas Américas. A “creoulização” do Islã afastou as instituições
e práticas que se tornaram menos relevantes quando os muçulmanos se
ajustaram à situação. A
transferência das instituições islâmicas, refletidas no imamato e nas
escolas corânicas, por exemplo, ajudaram os muçulmanos a manter um “mundo a
parte” da América “crioula”. Registros
biográficos permitem vislumbrar o que pode ter sido um mundo mais dinâmico
de interação através do Atlântico e dentro das Américas do que tem
sido comumente reconhecido. As propostas apresentadas aqui desafiam as opiniões
dos estudiosos que encontram somente uma vaga e generalizada influência
africana no desenvolvimento das culturas “creoulas”, sem qualquer elo
institucional. A diáspora pode nos dizer muito sobre a história africana, e os povos das Américas tem importância no estudo da África precisamente porque a escravidão como um processo teve um impacto profundo e um legado devastador. Elaborado por Maria Moreira, webmistress do Islamic Chat. Fonte: Texto "Situating Identities in the African Diaspora: Islam and Slavery in the Americas" de Paul E. Lovejoy.
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