Torres Gêmeas


 

Depois que a fumaça tiver desvanecido, a poeira tiver assentado e a fúria inicial tiver reduzido, a humanidade acordará e se dará conta de um fato novo: não existe lugar seguro na terra.

Um grupo de suicidas parou os Estados Unidos, fez o presidente se esconder em uma casamata em uma montanha longínqua, causou um terrível estrago à economia, parou todo o tráfico aéreo, e esvaziou os escritórios do governo em todo o país. Isto pode acontecer em qualquer país. As Torres Gêmeas estão em todo lugar.

Não apenas em Israel, mas o mundo todo está agora cheio de discurso sem sentido sobre ‘lutar contra o terrorismo’. Políticos, ‘especialistas em terrorismo’ e seus companheiros propuseram atacar, destruir, aniquilar, etc. Mas nada deste tipo ajudará as nações ameaçadas, tanto quanto nada deste tipo tem ajudado Israel.

Não existe remédio para o terrorismo. O único remédio é remover suas causas. Pode-se matar um milhão de mosquitos, e milhões mais os substituirão. De modo a livrar-se deles, tem-se que secar o pântano que os alimenta. E o pântano é sempre político.

Uma pessoa não acorda de manhã e diz a si mesma: ‘Hoje eu vou seqüestrar um avião e me matar’. Nenhuma pessoa acorda de manhã e diz a si mesma: ‘Hoje eu vou me explodir em uma discoteca em Tel Aviv’. Tal decisão cresce na mente de uma pessoa através de um processo lento, levando anos. O pano de fundo para esta decisão ou é nacional ou é religioso, social e espiritual.

Nenhuma luta clandestina pode operar sem raízes populares e um ambiente suportivo, que está pronto a prover novos recrutas, assistência, esconderijos, dinheiro e meios de propaganda. Uma organização clandestina quer ganhar popularidade, não perdê-la. Portanto, ela comete ataques quando acha que isto é o que o público à sua volta deseja. Ataques terroristas confirmam o humor público.

Isto é verdade neste caso também. Os iniciadores dos ataques decidiram implementar o seu plano depois que a América provocou um ódio imenso ao redor do mundo. Não por causa de seu poder, mas por causa da maneira como o usa. É odiada pelos inimigos da globalização, que a culpam pela terrível lacuna entre ricos e pobres no mundo. É odiada por milhões de árabes, por causa de seu suporte à ocupação israelense e o sofrimento do povo palestino. É odiada por multidões de muçulmanos, por causa do que parece ser seu suporte à dominação judaica dos lugares sagrados islâmicos em Jerusalém. E existem muito mais pessoas com raiva que crêem que a América apóia aqueles que os atormentam. 

Até 11 de setembro de 2001 – uma data para relembrar – os americanos podiam alimentar a ilusão de que tudo isto são preocupações alheias, em lugares distantes além dos mares, que não tocava suas vidas protegidas em casa. Não mais.

Este é o outro lado da globalização: todos os problemas do mundo interessam a todos no mundo. Todo caso de injustiça, todo caso de opressão. O terrorismo, a arma do fraco, pode facilmente alcançar qualquer lugar sobre a terra. Toda sociedade pode facilmente ser atingida, e quanto mais desenvolvida for a sociedade, mais ela estará em perigo. Poucas pessoas são necessárias para infligir dor sobre mais e mais pessoas. Em breve uma única pessoa será suficiente para carregar uma maleta com uma pequena bomba atômica, e destruir megalópoles de dezenas de milhões. 

Esta é a realidade do século 21, que começou esta semana de forma grave. Ela deve levar à globalização de todos os problemas, e à globalização de todas as soluções. Não através de abstratas, vagas declarações na ONU, mas através de um sincero empenho global para resolver conflitos e estabelecer a paz, com a participação de todas as nações, com os EUA desempenhando um papel central.

Desde que os EUA se tornaram um poder mundial, tem se desviado do caminho traçado por seus fundadores. Foi Thomas Jefferson quem disse: ‘Nenhuma nação pode se comportar sem um respeito decente pela opinião da humanidade’ (eu coto de memória). Quando a delegação americana deixou a conferência mundial em Durban, de modo a abortar o debate sobre os males da escravidão e a cortejar a direita israelense, Jefferson deve ter se revirado em seu túmulo.

Se for confirmado que o ataque em Nova Iorque e Washington foi perpetrado por árabes – e mesmo que não seja! – o mundo deve pelo menos tratar a ferida supurada do conflito israelo-palestino, que está envenenando todo o corpo da humanidade. Um dos garotos sábios na administração Bush disse há algumas semanas atrás: ‘Deixe-os sangrar!’ – se referindo aos palestinos e israelenses. Agora é a América que está sangrando. Aquele que foge do conflito é seguido por ele, até dentro de sua casa. Os americanos, e os europeus também, deveriam aprender esta lição.

A distância de Jerusalém à Nova Iorque é pequena, assim como a distância de Nova Iorque à Paris, Londres e Berlim. Não são apenas as corporações multinacionais que envolvem o globo, mas as organizações terroristas também. Da mesma forma, os instrumentos para a solução dos conflitos devem ser globais.

Ao invés dos edifícios destruídos de Nova Iorque, são as torres gêmeas da Paz e da Justiça que devem ser construídas.  

Texto original: 'Twin Towers' de Uri Avnery, retirado do site 'Media Monitors' que pode ser visitado no endereço: http://www.mediamonitors.net

 

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