Doação e Transplante de Órgãos: Perspectiva Islâmica

 

" Ó servos de Allah, procurem a cura para seus males, porque certamente Aquele que criou a doença tem também a cura para ela. Aqueles que possuem o conhecimento serão capazes de descobrir a cura".

(Hadith do Profeta Muhamad (SAWS))

A questão da doação e transplante de órgãos passa pela observação dos princípios da Jurisprudência Islâmica (Usul-Fiqh). São estabelecidos os seguintes critérios:

   A pessoa tem autoridade legal sobre seu próprio corpo;

  É proibido se auto-infligir sofrimento ou infligir sofrimento a outros;

  Em caso de Necessidade certas proibições são postas de lado, como quando a vida da pessoa é ameaçada e as restrições alimentares e a proibição de beber vinho ou outra bebida alcoólica é suspensa. Confrontado com dois males é permitido que o muçulmano(a)  escolha o menor deles.

Com relação à doação de órgãos durante a vida do doador e o recurso do transplante como meio de salvar vidas, existe em geral um consenso entre os juristas muçulmanos da atualidade nos seguintes aspectos:

  É permitida a doação de parte do corpo para salvar a vida de outra pessoa, desde que a doação não coloque em risco a vida do doador e seja comprovado o benefício para o receptor.

  Se um órgão de um muçulmano(a) parar de funcionar e se para que suas funções sejam restauradas for necessário o recurso do transplante, é legítimo usar :

1) Objetos inorgânicos tais como metal, plástico, etc.;

2) Órgãos de animais "halal" (lícitos) que tenham sido abatidos de acordo com os métodos islâmicos;

3) Órgãos de animais cuja carne é considerada "haram" (ilícita) para os muçulmanos ou de animais cuja carne é "halal" (lícita) mas não foram abatidos de acordo com os métodos islâmicos, se não houver alternativa disponível.  Se não existir forte risco para a vida ou órgão do paciente muçulmano, o uso de órgãos de porco não é permissível. Entretanto se tal risco ocorrer, esta restrição é suspensa.

4) Órgãos humanos doados por outra pessoa. Alguns juristas colocam esta permissibilidade apenas em último caso, dando preferência às alternativas acima, outros não restringem ou condicionam o recurso ao transplante de órgãos humanos.

  É válido substituir uma parte do corpo de uma pessoa por outra parte do corpo da mesma pessoa se houver necessidade.

  A venda de órgãos não é permitida, apenas a doação. A venda de órgãos é considerada "haram" (ilícita) no Islã.

Quanto à doação de órgãos após a morte do muçulmano, os juristas divergem. No Segundo Seminário de "Fiqh" realizado em Nova Déli, Índia, em 1989, a doação após a morte foi considerada proibida pelos juristas muçulmanos da Índia e não foi reconhecido como válido o desejo expresso do muçulmano de doar seus órgãos após a morte, seja através de testamento, cartão de doação ou qualquer outro documento.

 Entretanto em deliberação mais recente realizada em 1995, o Conselho Islâmico da Grã-Bretanha considerou permitida a doação de órgãos após a morte, baseando suas opiniões nos mesmos princípios que determinam a permissibilidade de recorrer ao transplante: o propósito de salvar vidas. Contribuiu para esta postura a atitude dos juristas e teólogos do passado e fundadores de três das quatro Escolas de Pensamento Islâmico, que estabeleceram a permissibilidade para a dissecação de cadáveres, desde que esta apresentasse algum benefício. Os juristas das Escolas Chafita, Hanafita e Maliquita permitem a dissecação enquanto que apenas a Escola Hanbalita faz restrições a ela.

É importante lembrar que foi justamente a relativa flexibilização dos muçulmanos com relação à dissecação de cadáveres que proporcionou aos médicos muçulmanos da Idade Média atingir um grande avanço na Medicina, já que na época judeus e cristãos não aceitavam esta permissibilidade, impedindo a realização de pesquisas científicas na área. 

É uma regra geral em "Fiqh" (a parte da lei islâmica deduzida por teólogos) que é proibido violar, danificar ou mutilar o corpo de uma pessoa seja ela muçulmana ou não, como um ato de revanche, desrespeito ou sem uma boa razão. Existem exceções à esta regra geral especialmente quando existe Necessidade (Darurah).

No Islã o Homem consiste de dois elementos essenciais, um material que é o corpo e o outro espiritual que é a alma. A vida existe no corpo humano enquanto a alma está ligada a ele e cessa quando a alma deixa o corpo.

"Deus recolhe as almas no momento da morte e, os que não morrem, ainda, (recolhe) durante o sono. Ele retém aqueles cuja morte tem decretada e deixa em liberdade outros, até término prefixado. Em verdade, nisto há sinais para os sensatos."

(Alcorão surata 39 versículo 42)

A alma é um mistério e ninguém foi capaz de descobrir sua natureza. Sua presença no corpo resulta em vida, que é observada por movimentos e outros sinais convencionais de vida. A saída da alma resulta em morte, que é associada com certos sinais físicos que resultam de observações médicas e conhecimento.

Sendo assim, no Conselho estabelecido na Grã-Bretanha, do qual participaram juristas representantes de todas as Escolas de Pensamento Islâmico, foram estabelecidos os seguintes critérios para a doação de órgãos após a morte:

  O médico é a autoridade para definir os sinais de morte. O conhecimento médico atual considera a morte do cérebro como uma definição adequada de morte e portanto o Conselho aceita este conceito como constituindo o fim da vida para propósitos de transplante. O Conselho considera o transplante de órgãos como um meio de aliviar o sofrimento  ou salvar vidas com base nas leis da Charia (a lei islâmica revelada no Alcorão e na "sunnah").

  Muçulmanos podem carregar cartões de doação de órgãos.

  O parente mais próximo pode dar permissão para a retirada de órgãos de modo a salvar outras vidas, na ausência do cartão de doação ou de um desejo expresso do muçulmano(a) de doar seus órgãos após sua morte.

Como a doação de órgãos após a morte não é um consenso entre os juristas, cabe ao muçulmano ou muçulmana consultar sua consciência e decidir o que mais se adequa ao espírito do Islã. Entretanto, esta falta de consenso não existe enquanto o muçulmano(a) está vivo(a) e tem a possibilidade de salvar uma vida. Todos os juristas concordam que se a doação de um órgão não apresenta riscos para o doador e traz benefícios para o receptor, a doação pode e deve ser efetivada. A única restrição é de que o muçulmano(a) não venda seus órgãos. Nosso corpo é um presente de Allah e não temos o direito de comercializá-lo.

 

Elaborado por Maria Moreira, webmistress do Islamic Chat.

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