Mulheres Muçulmanas: Entre o Martelo e a Bigorna

 


No Afeganistão, a Talebanização do Islã tem tido muitas consequências. Algumas boas como restaurar um pouco de estabilidade para uma região devastada pela guerra. Algumas terríveis, particularmente o assalto sobre as liberdades civis das mulheres. Em nome do Islã, uma religião que começou quando Deus pediu ao Homem para "Ler" - a primeira palavra do Alcorão revelada a Muhamad foi "Iqra" (ler) - o Talebã tem sistematicamente procurado privar as mulheres de educação, a essência da emancipação. Na Turquia, para proteger a sociedade civil dos supostos males da religião, democratas-seculares estão usando batons para manter as muçulmanas fora das escolas e universidades. Na França, a terra onde o projeto moderno de liberdade começou com uma revolução gloriosa, onde também os novos padrões da moda são estabelecidos, políticos estão mantendo as muçulmanas fora das escolas por razões sartoriais. Orientais ou Ocidentais, seculares ou religiosas, todas as forças parecem determinadas a impedir a emancipação das mulheres muçulmanas.

Vivemos em um mundo altamente interdependente. O que acontece na arena política ou econômica tem um impacto crítico sobre o social. As mudanças no Oriente e os caprichos no Ocidente se influenciam profundamente. Enquanto os muçulmanos lutam para se recuperar dos efeitos do colonialismo, suas sociedades clamam por mudança social e política. Uma vez que as mudanças no Oriente colocam em risco a hegemonia ocidental, qualquer tentativa de mudança se torna uma ameaça política. Iniciativas políticas no Oriente, Islã ou Socialismo, são igualmente rejeitadas pelo Ocidente. Iniciativas sociais do Ocidente, feminismo ou liberalismo, ameaçam a política do Oriente e são por sua vez rejeitadas. O local destas batalhas, culturais e políticas, invariavelmente são a cabeça da mulher muçulmana, literalmente!

Apesar disso, a maioria das tentativas de resgate tem vindo do Ocidente. Mas a preocupação humanitária pela situação difícil das mulheres muçulmanas é frequentemente acompanhada de um discurso que demoniza o Islã. Isto confunde os temas e faz muito muçulmanos ficarem desconfiados. Eles imaginam que estes projetos são uma outra tentativa de demonizar o Islã e ridicularizar as crenças islâmicas. O duplo padrão ocidental também atinge as perspectivas de mudança. Muçulmanos que estão dispostos a trabalhar com agências ocidentais para melhorar as condições das mulheres muçulmanas são forçados a retroceder em face destes padrões duplos. Por exemplo, quando o Talebã usa a retórica ideológica para privar as mulheres muçulmanas do acesso à educação básica, a mídia e as agências ocidentais os condenam (justificavelmente) e também atacam o Islã (desnecessariamente). Mas quando os franceses e turcos fazem o mesmo, usam ideologia para privar as mulheres muçulmanas do acesso à educação, a mídia faz pouco para remediar a situação. Recentemente, o "estado secular" da Turquia tirou a cidadania de um de seus representantes eleitos nacionalmente porque ela ousou cobrir sua cabeça! E a maior parte do mundo ocidental, que em outra circunstância correria para ajudar a mulher muçulmana, não fez muito para prevenir isto.

Infelizmente, as feministas muçulmanas não ajudam sua própria causa. Feministas muçulmanas são em geral de dois tipos, extremamente ocidentalizadas ou muito tradicionais. A feminista muçulmana ocidentalizada gera um discurso que imita suas parceiras ocidentais. Sua extrema ocidentalização, tanto na visão de mundo quanto no estilo de vida, não apenas assusta o homem muçulmano tradicional mas também a maioria das mulheres muçulmanas. Como resultado os projetos e objetivos que elas advogam são deslegitimizados puramente por causa de sua desconsideração e desrespeito manifestos pelo Islã e pelos valores islâmicos tradicionais. Claro elas conseguem muitas admiradoras e apoio entre as feministas ocidentais e a instituição liberal, mas isto não ajuda a melhorar o sofrimento da mulher muçulmana.

As supostas feministas islâmicas, ocupam o outro pólo extremo. Parecem estar reagindo à ausência de "Islã" nas feministas ocidentalizadas, a quem vêem como uma ameaça à herança islâmica e às instituições da família, casamento e modéstia. Elas gastam suas energias e recursos na defesa de práticas tradicionais e martirizam o projeto de emancipação da mulher na defesa de um Islã articulado pela ortodoxia islâmica. Portanto, enquanto as feministas muçulmanas ocidentalizadas estão ocupadas aprendendo o "lingo" e admirando Simone de Bouvoir, as feministas islâmicas estão ocupadas confirmando os estereótipos. A mulher muçulmana comum, enquanto isto continua a sofrer. Os homens muçulmanos no momento estão absortos na preparação de confrontos ou diálogos de civilizações. Eles não podem dar atenção à condição das mulheres muçulmanas, enquanto o Homem muçulmano continua escravizado, e as terras muçulmanas estão sob ataque.

As mudanças e desafios do século 20 têm sido de fato duras para as mulheres muçulmanas. Elas foram pegas no fogo cruzado em muitos níveis. Sejam as guerras  culturais entre o Islã e o Ocidente, ou as guerras civis entre seculares e islamistas, mulheres muçulmanas tem que suportar o peso dos tormentos associados a estes conflitos. Ou elas perdem seus maridos e filhos para o campo de batalha, ou perdem sua liberdade e dignidade na arena social. A tragédia e a ironia são os dois temas dominantes de sua existência. Às vezes, elas são vítimas daqueles que tentam protegê-las e outras, são oprimidas por aqueles que tentam emancipá-las. Mesmo no processo histórico, mulheres muçulmanas são pegas na luta entre o imperialismo da modernidade e a intransigência das tradições.

Se tenho alguma sugestão para melhorar a condição das mulheres muçulmanas? Não. Estou muito ocupado negociando modernidade, reconstruindo as causas do declínio da Pax Islâmica, articulando desenhos quixotescos para restaurar a grandiosidade da civilização islâmica. Muito ocupado vivendo para meu mandato como o vice-gerente de Allah. Mas até mesmo eu, apesar de minhas "missões importantes e vitais", posso ouvir os lamentos e sentir a dor.

 

Texto: "Muslim Women: Between a Rock and a Hard Place" de M. A. Muqtedar Khan - Visitante da Faculdade de Ciência Política no Washington College em Maryland (1999-2000), também concluindo seu Ph.D em Relações Internacionais e Teoria Política da Georgetown University. Caso haja interesse em obter maiores informações sobre o autor, sua página pessoal pode ser visitada no endereço http://www.georgetown.edu/users/khanm/, onde um extenso currículo pessoal é apresentado.

Visite também o artigo "Mitos e Realidades do Casamento no Islam".

 

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