Como a Civilização Islâmica Penetrou o Ocidente?

 


             

            Em resposta a esta questão devemos antes de tudo refutar a falsa crença, mas amplamente divulgada, de que as Cruzadas foram responsáveis pelas primeiras trocas culturais entre Oriente e Ocidente.

            Para determinar exatamente que influência as Cruzadas tiveram nas relações entre os dois litorais do Mediterrâneo, deve-se distinguir entre cultura moral e intelectual, e civilização puramente material.

            Embora insignificante no ramo da ciência e da literatura, esta influência tornou-se mais desastrosa nas relações humanas e do intelecto. Pela incitação da Cristandade contra o Islã em uma luta implacável, pela criação de uma atmosfera de intolerância e ódio, criou um abismo profundo entre Ocidente e Oriente, e por vários séculos interrompeu qualquer colaboração entre os dois mundos. Os elos intelectuais e morais que haviam sido estabelecidos entre a Espanha muçulmana e a Aquitânia no fim do século VIII foram brutalmente quebrados. Este foi o triste registro das Cruzadas no plano espiritual.

            Em contraste, entretanto, o Ocidente deve mais às Cruzadas no campo da civilização material. As Cruzadas colocaram a Cristandade em contato direto com os povos muçulmanos no solo do Islã.  Intervalos de paz aparente deram oportunidade para as relações humanas serem estabelecidas entre as forças de ocupação e os muçulmanos, e um número considerável de cristãos foram assim colocados face a face com uma civilização muito superior que a da Europa de seu próprio tempo.  Os cruzados encontraram no Levante muitas coisas que eram completamente novas para eles, assim como técnicas que permaneciam desconhecidas para o Ocidente.  A introdução em larga escala de produtos orientais nos mercados europeus e a adoção de novas técnicas na agricultura, indústria e artesanatos foram certamente umas das mais espetaculares conseqüências das Cruzadas.  Trouxeram uma transformação profunda na economia da Europa ocidental. 

            Foi através da Espanha, Sicília e o sul da França, que estavam diretamente sob as normas sarracenas, que a civilização islâmica entrou na Europa. Em meados do século IX a civilização islâmica já tinha prevalecido na Espanha. Os espanhóis daquele tempo consideravam o árabe como o único meio para a ciência e a literatura.

Por volta de 830 Alfonso o Grande, Rei das Astúrias, tinha enviado dois sábios sarracenos para agir como tutores de seu filho e herdeiro.  Os dois monarcas, Alfonso VI - o conquistador de Toledo, que tinha casado com a filha de um rei muçulmano de Sevilha - e Alfonso o Sábio, contribuíram grandemente para um estreitamento de relações intelectuais entre cristãos e muçulmanos.    

O renome científico dos muçulmanos tinha se espalhado amplamente, e atraiu a elite intelectual do mundo ocidental à Andaluzia, Sicília e sul da Itália. Um dos homens mais notáveis do século X, Gerbert d’Aurillac, que se tornou o primeiro Papa francês, sob o título de Silvestre II, passou três anos em Toledo com sábios muçulmanos estudando matemática, astronomia, química e outras matérias.  Vários prelados franceses, ingleses, alemães e italianos e homens de conhecimento também estudaram por longo tempo nas universidades da Espanha muçulmana.

                        Quanto à França, a proximidade com a Espanha foi obviamente um fator importante na influência da civilização muçulmana no sul daquele país. Mas mais importante foi a ocupação sarracena direta por mais de meio século da Setimania, a vasta região limitada pelo Mediterrâneo e o Cévene, os Pirineus e o Rone.

                        A expulsão dos árabes não terminou com sua influência. As relações entre a França e os sarracenos continuou e, como Reinaud destacou sensatamente, “seus efeitos tem sido mais surpreendente desde que, ao contrário de antigas relações, foram baseadas nos limites do comércio e amizade.”

            Seria injusto não mencionar aqui o papel importante desempenhado pelos judeus espanhóis e aquitânios como intermediários entre a civilização islâmica e a cultura cristã. A influência teológica dos árabes, tão profundas sobre toda a teologia escolástica na Idade Média, veio principalmente de traduções hebraicas.

            O mesmo senso de justiça determina que se tenha em mente o débito de gratidão que o Judaísmo deve a civilização muçulmana. Ernest Renan disse que “Toda a cultura literária dos judeus na Idade Média é simplesmente uma reflexão da cultura islâmica, que é muito mais assemelhada ao seu gênio nativo que a civilização cristã.” O professor Massignon lembrou-nos recentemente que a primeira gramática hebraica foi compilada por Yehuda Ben Coraix de gramáticos árabes. Mesmo agora, na Palestina, é através de uma gramática baseada na gramática árabe que a língua nativa é ensinada.

            A Idade Média viu o nascimento de toda uma literatura em teologia e filosofia escrita em árabe pelos judeus. Citamos os nomes de apenas alguns filósofos e escritores representantes do Judaísmo como: Maimônides, Sa’adia Faiumi, Yehuda Halevi, Bahia ibn Paquda, Ibn Gabirol... E existem muitos outros.

 Fonte: Livro "The Muslim Contribution to Civilization" - de Haidar Bammate. North American Trust Publications,  1976 - EUA. Traduzido e editado por Maria Moreira, webmistress do Islamic Chat.  

Visite também os  artigos "As Origens da Civilização Islâmica",   "A Idade Dourada da Civilização Islâmica"   e "Um Olhar Sobre as Cruzadas". 

Ver bibliografia utilizada pelo autor

 

 Home         Artigos