Islã: Sunitas e Xiitas

   

O Islã é uma das religiões que mais crescem no mundo, e é a fé principal em grandes partes do Terceiro Mundo. Existem atualmente mais de 970 milhões de muçulmanos concentrados principalmente no Oriente Médio, África do Norte e Sul e Sudeste da Ásia (World Almanac 1994, 727). Desses, oitenta e três por cento são sunitas e dezesseis por cento xiitas. Os xiitas constituem a maioria da população no Irã, Iraque e Bahrein e são o maior grupo populacional muçulmano no Líbano.


Em acréscimo a essa vitalidade religiosa, o Islã é uma força política cada vez mais importante na cena mundial. Nos últimos vinte anos, tem ocorrido uma onda nas atividades de movimentos políticos que se definem como islâmicos. Um evento divisor de águas foi a revolução islâmica no Irã engenhada pelo agora falecido Aiatolá Khomeini, que depôs o Xá em 1979. O governo clerical iniciou mudanças radicais em diferentes aspectos da vida no Irã, e as relações internacionais do Oriente Médio.

A guerra entre o Irã e o Iraque aconteceu pouco depois e durou de 1980 a 1988 destacando algumas das diferenças entre muçulmanos sunitas e xiitas. O Irã é um país xiita persa, enquanto a liderança do Iraque é predominantemente muçulmana sunita e árabe 1. A maioria dos governos sunitas apoiaram o Iraque durante a guerra.

Em muitos países do Oriente Médio os movimentos islâmicos são a maior força opositora, e tem havido uma crescente atividade por grupos revolucionários islâmicos. No Líbano, militantes xiitas apoiados pelo Irã tomam parte ativa na guerra civil do país, e se engajam em espetaculares atos de violência, incluindo a tomada de um número de cidadãos ocidentais como reféns. Movimentos radicais sunitas em países como o Egito e a Argélia também se engajam em violência contra o governo e alvos ocidentais.

Esse artigo irá suprir informação básica sobre o Islã sunita e xiita, destacando suas diferenças históricas, religiosas e ideológicas, e apontando o que eles tem em comum assim como o que os divide. Irá também sublinhar algumas das razões para a recente força dos movimentos políticos islâmicos.

 

Crenças Compartilhadas pelos Sunitas e Xiitas

 

Existe um denominador comum substancial entre o Islã sunita e xiita. Todos os muçulmanos acreditam que Allah escolheu um homem chamado Muhammad como o Profeta do Islã, e que, com as bênçãos de Allah e revelações contínuas, Muhammad guiou os muçulmanos a levar a vida de acordo com o Qur’an, uma coleção de revelações divinas, e os “Hadith” (os ditos, ensinamentos, e práticas do Profeta Muhammad, que serve como um suplemente ao Qur’an).  Em um curto período de 22 anos, de 610 a 632, ele teve sucesso em deixar um grande legado político e espiritual que levou ao estabelecimento da civilização islâmica.

Todos os muçulmanos acreditam que religiosidade, observância correta dos princípios do Qur’an e o empenho pela bondade na vida diária são as maiores virtudes dos seres humanos. Tanto sunitas quanto xiitas concordam sobre a necessidade de um código moral e ético forte para regular o comportamento humano em todas as suas manifestações. A justiça social é considerada um direito fundamental.

Sunitas e xiitas compartilham a crença de que são cinco pilares do Islã: (1) A unicidade de Allah e a missão profética de Muhammad, (2) as cinco orações obrigatórias, (3) jejum, (4) caridade, e (5) a peregrinação à Meca. Ambos os grupos também acreditam que o Qur’an tem uma origem divina, e que as missões proféticas de Allah foram concluídas com Muhammad.

 

A Divisão Sunita-Xiita

 

As diferenças entre o Islã sunita e xiita se originou em uma disputa histórica sobre a sucessão do Profeta Muhammad.  Depois da morte de Muhammad em 632, o “Majlis al-Shura” 2 (assembléia de conselheiros), compreendendo os muçulmanos mais devotos e altamente sábios, selecionaram Abu Bakr como o primeiro Califa, ou líder, dos muçulmanos. Abu Bakr era um dos companheiros mais próximos de Muhammad e o pai da segunda esposa de Muhammad. Essa atitude tomada pela assembléia indicou que os líderes deviam ser selecionados pelos muçulmanos com base em sua religiosidade e mérito, e excluiu a idéia de uma sucessão de sangue para o Profeta no governo religioso e político do Islã.

A maioria dos muçulmanos aceitou a escolha de Abu Bakr como o primeiro Califa legítimo, que governaria de acordo com as práticas estabelecidas pelo Profeta. Sobre assuntos mundanos sobre os quais não havia uma referência direta no Qur’an, o Profeta tinha aceitado o conselho de uma assembléia de conselheiros, de modo que ele pareceu a instituição apropriada para decidir a questão da sucessão.

Os primeiros xiitas foram um primeiro grupo de muçulmanos que se opuseram a escolha de Abu Bakr como o primeiro Califa. Eles se uniram em torno da pessoa de Ali, o primo e genro do Profeta, que se casou com a filha do Profeta, Fátima. Eles apoiaram Ali e o conceito de sucessão legítima de sangue para o Profeta Muhammad tanto em questões religiosas quanto temporais. Ali tinha, de fato, sido um dos membros proeminentes do corpo consultivo que selecionou Abu Bakr como o primeiro Califa do Islã. Mas dadas as tradições tribais da Península Arábica, a seleção de Abu Bakr foi considerada por alguns muçulmanos uma negação do direito de Ali de suceder o Profeta e servir com um líder ou imame em assuntos religiosos e políticos.

 

Quem é um Xiita?

O cisma levou à criação das duas maiores ramificações do Islã, os sunitas e os xiitas. Os que apoiaram Ali foram chamados Xiitas. Autoridades importantes na língua árabe definem a palavra “xiita” como significando um grupo de pessoa que desenvolve consenso sobre um assunto. Etimologicamente o significado da palavra é confinado a ajudantes, defensores e partidários de uma pessoa mas, predominantemente, a palavra é aplicada aos seguidores de Ali e seus onze descendentes masculinos. A palavra “sunita”, que significa “ortodoxo”, é aplicada aos muçulmanos que são parte do ramo majoritário do Islã e pertencem à uma das quatro escolas de jurisprudência, Hanafita, Hanbalita, Maliquita ou Chafita.  Embora Ali seja altamente considerado pelos muçulmanos sunitas, eles rejeitam a concepção xiita da sucessão de Muhammad.

Depois da escolha de Abu Bakr como primeiro Califa, os xiitas cresceram em número e se tornaram um grupo político apoiando Ali como sucessor do Profeta. Eles veementemente rejeitaram o Califado, e ao contrário advogaram o conceito de Imamato 3 uma ideologia religiosa e política baseada na orientação pelos Imames. Etimologicamente a palavra “imame” significa “aquele que se levanta”, um guia e um líder. É usada para descrever homens da religião hoje, da mesma forma como se refere aos Doze Imames que seguiram Muhammad. O conceito de Imamato reflete a crença de que a humanidade está em todos os momentos necessitando de um líder divinamente designado, um professor autoritativo em assuntos religiosos, que é dotado com total imunidade ao pecado e ao erro.

O ramo predominante no Xiismo é o descrito como os “Duodécimos” 4 que é centrado no Irã e é a principal forma de Xiismo no Iraque, Líbano e Bahrein. O Xiismo mantém que Muhammad foi sucedido por doze imames divinamente designados descendendo diretamente de Ali e sua esposa Fátima e a rejeição e desobediência a qualquer dos doze imames constitui infidelidade equivalente à rejeição do Profeta Muhammad (Donaldson 1933, 344). Os xiitas consideram Ali e seus descendentes os sucessores de direito do Profeta, intitulados a liderar os muçulmanos por inspiração divina e infalível.  A questão não é, claro, simplesmente um assunto genealógico, porque levanta a questão vital de saber quem é a autoridade de quem se obtém orientação de acordo com a vontade de Allah, e seu exercício na terra.

Em suporte à sua crença, os xiitas se referem a certos ditos de Muhammad debatidos pelos sunitas, tais como: “Eu sou a cidade do conhecimento e Ali é o meu portal” (Bayat 1982, 4).

A distinção dos Duodécimos repousa na sua crença de que o Décimo Segundo Imame, Muhammad al-Mahdi, desapareceu e irá reaparecer um dia para inaugurar um reino de justiça que pressagiará o Juízo Final.

Aqueles xiitas que não são Duodécimos também acreditam que Ali era o Imame de direito na sucessão de Muhammad, mas diferem sobre a importância de alguns dos imames que o sucederam.  Os Ismaelitas aceitam os primeiros seis dos doze imames, mas mantém que o filho do sexto imame, Ismael, cujos descendentes continuam até o dia presente, eram os imames sucessores de direito.  O atual Aga Khan é o Imame da sub-seção mais conhecido dos Ismaelitas. Os Zaiditas acreditam que os Imames receberam orientação divina, mas não acreditam em sua infalibilidade ou compartilham do comprometimento a todos os doze imames, e rejeitam a doutrina sobre o imame oculto.

 

Diferenças Doutrinárias entre Sunitas e Xiitas

 

1. O Conceito de Imamato

Na visão xiita, os doze imames herdaram suas posições como líderes exclusivos dos muçulmanos através da autoridade do Profeta Muhammad e de ordem divina. Eles são considerados como sendo não apenas sucessores temporais de Muhammad, mas também seus herdeiros das prerrogativas na proximidade a Allah e intérpretes do Qur’an.

De acordo com o Xiismo, o Imame tem três funções: Governar a comunidade islâmica, explicar as ciências religiosas e a lei, e ser líder espiritual para levar os seres humanos ao entendimento do significado interior das coisas. Por causa dessas funções, ele não pode ser eleito por uma assembléia pública. Como guia espiritual ele recebe sua autoridade apenas do “alto”. Portanto, cada Imame é apontado através da designação do Imame que o antecedeu por Comando Divino.

O Imame deve se ocupar com assuntos diários assim como com o mundo espiritual e não-manifesto.  Suas funções são ao mesmo tempo humanas e cósmicas (Nasr 1978, 278). Os “Doze Imames” são os mediadores pela humanidade (Donaldson 1933, 343).

 

Muçulmanos Sunitas

 

As crenças acima dos “Duodécimos”, que dão legitimidade aos comentários escritos e verbais dos “Doze Imames”, são categoricamente rejeitadas pelos sunitas, que não consideram a instituição do “Imamato” hereditário como parte da fé islâmica. Todos os profetas de Allah reconhecidos pelo Islã, tais como Adão, Noé, Abraão, Moisés, Jesus e Muhammad, são vistos como tendo sido divinamente ordenados a guiar os seres humanos a adorar Allah e buscar Sua Misericórdia. Entretanto, mesmo a descendência dos profetas são consideradas como tendo negado o privilégio da proximidade e bênçãos de Allah se falharem em praticar seus comandos. Uma expressão típica dessa crença é a passagem corânica,

E lembre que Abraão foi tentado por seu Senhor com certos comandos que ele cumpriu. Allah disse: Farei de ti Imame para as Nações. Abraão pediu: “E também Imames de minha descendência!” Allah disse, “Mas minha promessa não alcançará os malfeitores (Qur’an 2: 124).


Os muçulmanos sunitas não colocam nenhum ser humano, incluindo os Doze Imames xiitas, num nível igual ou mesmo próximo aos profetas. A visão sunita é que em nenhum lugar no Qur’an é mencionado que os doze imames xiitas são divinamente ordenados a liderar os muçulmanos após a morte de Muhammad. Os muçulmanos devem ser orientados pelas palavras como aquelas do último sermão de Muhammad, conhecido como o Sermão do Monte, no qual ele endereçou toda a humanidade:

…Eu estou deixando duas coisas; enquanto se agarrarem a eles, vocês não se desviarão. Uma é o “Livro de Allah”, e a outra é a minha “tradição” (Zaheer 1985, 10).

2. Intercessão Entre Allah e os Seres Humanos

Muçulmanos Sunitas

Os muçulmanos sunitas acreditam que ninguém pode interceder entre Allah e os seres humanos.

Diz: A Allah pertence exclusivamente (o direito de garantir) intercessão. A Ele pertence o domínio dos céus e da terra. No Fim, é para Ele que todos serão retornados (Qur’an 39: 44).

Muçulmanos Xiitas

De acordo com o Xiismo, os Doze Imames podem interceder entre a humanidade e Allah.

O Apóstolo de Allah disse a Ali:
" ...Você e seus descendentes são mediadores pela humanidade uma vez que eles (seres humanos) não serão capazes de conhecer Deus exceto através de sua introdução” (Donaldson 1933, 343).


" ... os muçulmanos xiitas devem conhecer seu imame de modo a serem salvos, e os imames, assim como os profetas, claro, podem e intercedem pelos crentes perante deus na hora do julgamento...” (Nasr 1987, 261).

“Ijma” 5  (consenso) garante a autoridade do Qur’an e das tradições como registros da revelação divina.

Consenso e analogia podem ser aplicados por aqueles sábios que tem um profundo conhecimento do Qur’an, das tradições do profeta, e da Lei Islâmica, e praticam a fé em todos os aspectos de suas vidas.

 

3. Assuntos não Tratados pelo Qur’an

 

Muçulmanos Sunitas

As quatro escolas sunitas de jurisprudência aceitam com diferentes níveis de ênfase o uso do consenso da comunidade muçulmana e analogia (a aplicação de princípios do Qur’an e Hadith) como fontes para decisões legais onde o Qur’an e as Tradições (“Hadith”) do Profeta não fornecem orientação direta.

 

Muçulmanos Xiitas

 

As fontes da lei islâmica no Xiismo são de certa forma similares às do Islã sunita, nomeadamente o Qur’an, as práticas de Muhammad, consenso e analogia. Entretanto, a determinação do consenso é relacionada à opinião dos Imames e é dada mais liberdade à analogia do que no Islã sunita (Nasr 1978, 278).

 

4. Paraíso e Inferno no Dia do Juízo

 

Muçulmanos Sunitas

Os muçulmanos sunitas acreditam piamente que a redenção dos seres humanos depende na fé em Allah, Seus profetas, aceitação de Muhammad como profeta final e crença nas boas ações como explicado no Qur’an. A misericórdia de Allah determinará a redenção de todos os seres humanos. Até mesmo o profeta Muhammad depende da misericórdia de Allah.

Eu teria, se eu desobedecesse meu Senhor, medo da punição no Dia Poderoso (Qur’an 39: 13).
Existem muitos outros versículos no Qur’an que enumeram que a base do Paraíso é a misericórdia de Allah e as boas ações dos seres humanos de acordo com o Qur’an e Hadith.

 

Muçulmanos Xiitas

 

Os muçulmanos xiitas tem o Paraíso garantido se eles obedecerem e seguirem Muhammad e os Doze Imames. Ibn Babuwaihi, um sábio xiita, cotou Ibn-i-Sadiq, o sexto Imame, em referência a um comentário de Muhammad para Ali.

… que você apresente a Deus aqueles que podem entrar no Paraíso, i.e., aqueles que o reconhecem e aqueles que você reconhece. ... que você é um mediador absoluto, porque aqueles que irão para o Inferno serão apenas aqueles que não reconhecerem você e que você não reconhecer (Donaldson 1933, 343).

 

5. O Papel e a Condição dos Imames dos Dias Atuais

 

Muçulmanos Sunitas

 

Para os sunitas os Doze Imames e os imames xiitas atuais (por exemplo, Aiatolás ou “sinais de Allah”) são humanos sem quaisquer poderes divinos. Eles são considerados muçulmanos virtuosos e os Doze Imames são particularmente respeitados por sua relação com Ali e sua esposa Fátima, a filha de Muhammad. Os sunitas acreditam que Ali e seus dois filhos, Hassan e Hussein, foram altamente respeitados pelos três primeiros Califas e companheiros de Muhammad. Qualquer muçulmano sunita virtuoso e com conhecimento pode servir como um imame, com a função primordial de liderar as orações e interpretar o Qur’an e Hadith, desde que ele seja bem versado nesses temas. Os sunitas também consideram herético imputar a seres humanos atributos de natureza divina tais como infalibilidade e conhecimento de todos os assuntos temporais e cósmicos.

Muçulmanos Xiitas

Eles acreditam que os Imames de níveis mais altos dos dias atuais (Aiatolás)  recebem sua orientação e iluminação espiritual diretamente dos “Doze Imames”, que estão em contato contínuo com seus seguidores na terra todos os dias através de líderes espirituais contemporâneos. Os Aiatolás portanto desempenham um papel mediador vital. Por causa de seu papel espiritual, os aiatolás não podem ser designados pelos governantes, mas apenas pelo consenso de outros aiatolás.

 

Diferenças na Organização Religiosa

 

As diferenças entre o Islã sunita e xiita são mais que teológicos e históricos. Elas estão embebidas na estrutura social e política do Oriente Médio. Sunitas e xiitas formam comunidades distintas. Conversões do Xiismo para o Sunismo e vice-versa são raras, e espera-se que sunitas e xiitas se casem com membros de sua própria comunidade.  Os momentos vitais da vida – casamento, nascimento e morte – são celebrados dentro da estrutura dos rituais da comunidade. Os membros de cada comunidade aprendem sobre o Islã dentro das tradições de sua própria crença e sob a orientação de seus professores religiosos da fé.

Apesar dessas tradições, as lealdades políticas de sunitas e xiitas são afetadas pelo seu país e nacionalidade. Em 1980, o Irã, um país xiita cuja língua e cultura são Farsi (persa), foi invadido pelo Iraque, um país árabe com uma liderança sunita mas com uma população majoritariamente xiita. Apesar os apelos iranianos, a maioria dos xiitas iraquianos permaneceram leal ao Iraque, prestando serviço militar quando requerido durante a guerra Irã-Iraque de 1980-88.

Tanto o Islã sunita quanto xiita são organizados de formas que refletem suas crenças. Em vista da ênfase do Xiismo predominante sobre o papel do Imamato, não surpreende que os xiitas tenham uma hierarquia religiosa mais elaborada que os muçulmanos sunitas. Com exceção do Irã pós-revolucionário, o clero xiita tem sido mais independente do governo que os oficiais religiosos tem sido nos países sunitas. Os oficiais religiosos xiitas tem tido menos necessidade de se apoiar em governos seculares por dinheiro para financiar suas atividades, uma vez que controlam substanciais doações religiosas.

Nas comunidades xiitas, as nominações mais importantes para posições religiosas de chefia são feitas pelos oficiais religiosos xiitas, não pelo estado. Nos países sunitas, em contraste, é típico para os governos exercer controle sobre a indicação de oficiais religiosos de destaque. Esses governos também tem assumido o direito de alocar grandes doações religiosas através de ministérios governamentais criados para esse propósito. Isso torna o clero sunita de alto nível mais dependente do governo do que seus equivalentes xiitas.  Os sunitas também são mais abertos que os xiitas à idéia de que a liderança da oração e a pregação podem ser feitas por pessoas laicas, sem treino clerical formal.

Em vista do poder do clero xiita, não surpreende que eles desempenhem um importante papel político. Liderados pelo Aiatolá Khomeini, o clero organizou a revolução que depôs o Xá do Irã em 1978-79 e transformou o país em uma República Islâmica. O clero xiita também tem sido proeminente em movimentos de oposição no Iraque e Líbano.

 

Movimentos Políticos Islâmicos

 

Tanto os movimentos políticos islâmicos xiitas e sunitas tem como objetivo principal o estabelecimento da lei islâmica como base do governo. Eles rejeitam o secularismo como uma idéia ocidental importada, e se opõem a diversas formas de mudanças sociais que usam o ocidente como um modelo, tal como a condição das mulheres.

Os movimentos políticos com uma mensagem religiosa tem apelo popular em muitos países de maioria muçulmana. Isso acontece parcialmente por causa da perspectiva religiosa dos povos. Mas é também porque os líderes desses movimentos estão tratando dos assuntos políticos do dia.

Uma das razões para a queda do Xá do Irã foi que suas políticas secularistas alienaram as instituições religiosas. Em contraste, os monarcas dos países sunitas ricos em óleo tem feito grande esforço para manter suas políticas em linha com sensibilidades religiosas.

Uma outra razão muito importante para a queda do Xá foi o descontentamento generalizado com o desenvolvimento de suas políticas favorecendo grupos ricos e ocidentalizados. O Xá gastou uma grande parte da riqueza petrolífera do país em projetos civis e militares considerados por muitos como sendo pobremente concebidos. O Irã era um país mais populoso que os outros países ricos em petróleo do Oriente Médio, e portanto sua riqueza petrolífera se distribuía menos amplamente entre o povo. O efeito do desenvolvimento das políticas ocidentalizantes do Xá produziu uma nova classe burguesa que foi alvo do ódio e ressentimento das pessoas pobres. Além disso, assim como os partidos nacionalistas e de esquerda iranianos, o clero atacou veementemente os laços do Xá com o Ocidente.

Apesar de sua orientação religiosa, muitos dos assuntos endereçados pelos movimentos islâmicos são os mesmos assuntos políticos ou sociais que preocupam os políticos seculares. Os movimentos atacam a corrupção governamental e o golfo entre ricos e pobres. No Iraque e Líbano, onde comunidades xiitas são mais pobres que as comunidades sunitas e cristãs, o ressentimento à uma discriminação percebida também permitiu aos movimentos xiitas mobilizar apoio nas bases. Os problemas de corrupção e pobreza também são invocados pelos movimentos sunitas em países como o Egito e Argélia, embora esses movimentos não tenham sido capazes de obter apoio de líderes religiosos de uma estatura comparável a do Aiatolá Khomeini antes da revolução iraniana.

A oposição ao Ocidente é derivada do ressentimento histórico em muitas partes do mundo islâmico ao colonialismo ocidental no início desse século. Em acréscimo aos problemas surgidos daquele período, um número de políticas ocidentais e americanas mais recentes são frequentemente citadas pelos movimentos islâmicos: tentativas ocidentais de incorporar os países islâmicos em alianças contra a União Soviética durante a Guerra Fria; intervenções políticas tais como o golpe de estado da CIA de 1953 para restaurar o Xá depois de um governo nacionalista liderado por Mohammed Mossadegh ter tomado o poder no Irã; apoio político e militar ocidental para Israel contra o mundo árabe; e apoio político e militar ocidental para governos não-representativos.

Alguns dos mais dramáticos atos anti-ocidentais tem sido executados por grupos políticos xiitas no Líbano, onde o governo central entrou em colapso seguindo a guerra civil em 1975. A luta levou à intervenção pela Síria, Israel e forças americanas. Movimentos radicais xiitas como o Hezbollah (“Partido de Deus”) floresceram no período seguinte à dramática intervenção militar ocidental no Líbano em 1982, quando tropas israelenses expeliram a OLP de Beirute, e forças de paz americanas foram enviadas para o Líbano (para se retirarem em 1984). Militantes xiitas tirando vantagem da falta de autoridade central no país atacaram alvos ocidentais e israelenses e tomaram reféns, alguns dos quais foram mortos. Os movimentos de oposição sunitas no Egito e Argélia recentemente também tem sido crescentemente violentos em suas táticas anti-governamentais e anti-ocidentais.

Essas táticas tem causado um grande debate no mundo islâmico. Não existe justificativa nas escrituras e jurisprudência islâmicas para matanças indiscriminadas ou assassinatos de cidadãos locais ou estrangeiros tanto por muçulmanos sunitas quanto xiitas. Muitos intelectuais, entretanto, citam as falhas dos governos como uma razão para esses atos. “Esses lançadores de bombas e selvagens”, escreve o conhecido jornalista egípcio Muhammad Hassanein Haykal, “são o resultado de governos quase inimaginavelmente corruptos e medíocres” (New York Times Magazine, November 21, 1993, 65).

Atos violentos contra civis não são islâmicos em origem. De fato, violência radical parece ser um fenômeno mundial. Grupos radicais, religiosos ou não, frequentemente florescem em ambientes não-democráticos onde injustiça, repressão, e influência estrangeira inadequada são amplamente consideradas como as características dominantes da ordem existente.

 

Notas do Autor:

 

1. A maioria da população iraquiana consiste de xiitas árabes, mas árabes sunitas formam um grande grupo minoritário no país.

2. “Majlis” é a palavra árabe para assembléia, e “Shura” significa conselho ou aviso. “Majlis-al-Shura” portanto designa o corpo de muçulmanos selecionados para consultas em todos os assuntos no Islã.

3. “Imamato” é a forma substantiva árabe, que significa “aquele que se levanta.”

4.  "Ithna 'Ashariyya" é o nome árabe para o ramo do Xiismo que acredita nos doze imames começando com Ali e terminando com Muhammad Al-Mahdi.

Seus nomes são

a. Ali bin Abi Talib

b. Al-Hassan bin Ali

c. Al-Hassan bin Ali

d. Ali bin al-Hussain

e. Muhammad al-Bakir

f. Jafar-al-Sadik

g. Musa al-Kazim

h. Ali al-Riza

i. Muhammad Jawad al-Taki

j. Ali al-Naki

k. Al-Hassan al-Askari

l. Muhammad al-Mahdi

5.  “Ijma” é uma palavra árabe para o consenso da opinião islâmica, e é aplicada a assuntos não cobertos pelo Qur’an e Hadith.  De acordo com um conhecido jurista, Al-Shafi, Ijma é a terceira fonte de jurisprudência islâmica.

 

Referências do Autor:

 

Bayat, M. Mysticism and Dissent. Syracuse, New York: Syracuse University Press, 1982.
Donaldson, M. The Shi'ite Religion: A History of Islam in Persia and Iraq. London: Luzac & Company, 1933.
Ismaeel, S. The Difference Between the Shi'ite and the Majority of Muslim Scholars. Carbondale, IL: A Muslim Group, 1983.
Khateeb, M. Broad Aspects of Shi'ite Religion. Riyadh: National Offset Printing Press, 1986.
Khomeini, Ayatollah Ruhallah. Islam and Revolution: Writings and Declarations of Imam Khomeini. Berkeley, CA: Mizan Press, 1981.
Kohlberg, E. "Imam and Community in the Pre-Ghayba Period." In Authority and Political Culture in Shi'ism. New York: New York State University Press, 1988.
Nasr, S. H. "Ithna Ashariyya." In Encyclopedia of Islam, vol. 4, 277-278. 1978.
-----. "Ithna Ashariyya." In Encyclopedia of Religion, vol. 13, 260-270.
1987.
Tabatabai, S. H. N. Shi'ite Islam.
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Zaheer, Ehsan E. Shias and the House of Ali. Lahore, Pakistan: Javed Riaz Printers, 1985.

 

Texto original: "Islam: Sunnis and Shiites" de Muhammad Hanif, publicado em 1994 e retirado do site do National Council for the Social Studies

Muhammad Hanif é professor associado em Educação de Primeira e Média Infância na Universidade de Louisville, Kentucky, Estados Unidos.

Leia também os artigos "Entendendo as Diretrizes Islâmicas" e "A Prática da Shura".

 

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